Por Alex Rodrigues, repórter da Agência Brasil - Ao menos 208 indígenas foram assassinados no Brasil ao longo do ano2023. O dado consta do relatório Violência Contra os Povos Indígenas, que o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) divulgou na tarde desta segunda-feira (22).
Este é o segundo pior resultado registrado desde 2014, quando o conselho, vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), passou a recorrer a dados oficiais para contabilizar homicídiosindígenas. A metodologia não levaconta 17 homicídios que os autores do documento classificaram como culposos, ou seja, não intencionais.
O númeroassassinatos no ano passado é inferior apenas ao registrado2020, quando 216 indígenas morreramforma violenta –um primeiro momento, o conselho chegou a divulgar que 182 indígenas tinham sido mortos naquele ano, mas a informação foi posteriormente corrigida.
Os 208 assassinatos2023 significam aumento da ordem15,5%comparação ao número registrado2022 (180). O resultado vai na contramão da redução do númerohomicídios no país. Segundo o Fórum BrasileiroSegurança Pública, os assassinatos diminuíram 3,4%2023, na comparação com 2022.
Os autores da publicação, contudo, destacam que, este ano, acessaram uma basedados “mais completa e atualizada” para tabular os casosassassinatos, suicídios, mortalidade infantil e mortes por desassistência à saúde entre indígenas, o que pode ter resultadonúmeros mais altos, dificultando a comparação com anos anteriores.
Aindaacordo com o Cimi,2023 os estadosRoraima (47), Mato Grosso do Sul (43) e Amazonas (36) encabeçaram o ranking das unidades da federação com maior númeroassassinados. Juntos, esses três estados totalizam quase 40% dos homicídios registrados26 das 27 unidades federativas. A maioria (171) das vítimas tinha entre 20 e 59 anos e foram identificadas como homens (179), enquanto as demais 29 foram registradas como mulheres.
“O ambiente institucionalataque aos direitos indígenas foi espelhado, nas diversas regiões do país, pela continuidade das invasões, conflitos e ações violentas contra comunidades e pela manutençãoaltos índicesassassinatos, suicídios e mortalidade na infância entre estes povos”, acrescentam os responsáveis por elaborar o documento.
Os dados do anuário são compilados por equipes do próprio Cimi, a partir da base do SistemaInformação sobre Mortalidade (SIM) einformações obtidas junto à SecretariaSaúde Indígena (Sesai) por meio da LeiAcesso à Informação (LAI). O Cimi contabilizou 203 óbitos por agressão contra indígenas2021; 2162020; 1962019; 1352018; 1102017; 1182016; 1372015 e 1382014.
“As disputastorno dos direitos indígenas no [âmbito dos] três Poderes da República refletiram-se,2023,um cenáriocontinuidade das violências e violações contra os povos originários e seus territórios”, aponta o Cimi no relatório, acrescentando que o ano passado foi marcado por uma sérieconflitos territoriais e assassinatos envolvendo brigas ou desavenças, muitas vezes potencializadas por bebida alcoólica.
Violações - O relatório do Cimi contém dados igualmente “preocupantes” relativos a outras formasviolência contra os povos indígenas no Brasil. De acordo com os dados, ao menos 670 crianças indígenas entre zero e 4 anosidade morreram por causas evitáveis, ou seja, “em decorrênciaenfermidades, transtornos e complicações que poderiam ter sido controladas por meioaçõesatenção à saúde, imunização, diagnóstico e tratamento adequado”. O relatório registra ainda que pelo menos 180 indígenas tiraram suas próprias vidas.
Em relação aos direitos territoriais, o Cimi registra 1.276 casosviolência, distribuídos entre os subtiposocorrência omissão e morosidade na regularizaçãoterras (850); conflitos (150) e invasões, exploração ilegalrecursos naturais e danos diversos ao patrimônio (276).
O relatório também denuncia o que tipifica como “violência por omissão do poder público”, destacando o que os autores classificam como casosdesassistência geral (66 ocorrências), alémepisódios na área da educação escolar (61) e na saúde (100).
O Cimi critica a faltasinalização clara do governo federal na defesa dos territórios indígenas, principalmente no tocante à indefinição quanto à aprovação da Lei nº 14.701, que estabelece o chamado marco temporal.
Pela tese, os indígenas só têm direito aos territórios originários que ocupavam ou já reivindicavam até 5outubro1988, data da promulgação da Constituição Federal. Pouco antesdeputados federais e senadores aprovarem a lei, o Supremo Tribunal Federal (STF) tinha apontado a inconstitucionalidade da tese apenas.
O que motivou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a vetar este ponto. Em dezembro, contudo, o Congresso Nacional derrubou o vetoLula, mantendo o marco temporal.
A quedabraço entre Executivo e Legislativo foi judicializada por setores favoráveis e contrários à lei. Em abril, o ministro Gilmar Mendes, do STF, determinou a instauraçãoum processoconciliação, suspendendo o julgamentoqualquer ação que trate do tema. A previsão éque a comissão criada para tentar estabelecer um acordo entre as partes comece a funcionar no próximo dia 5agosto.
“A morosidade e a ausênciauma sinalização clara do governo federaldefesa dos territórios indígenas tiveram influência direta no alto númeroconflitos registrados, muitos deles com intimidações, ameaças e ataques violentos contra comunidades indígenas”, apontam os autores do relatório, destacando que,1.381 terras e demandas territoriais indígenas existentes, 850 (ou 62%) seguem com pendências administrativas pararegularização.
“Destas, 563 ainda não tiveram nenhuma providência do Estado parademarcação. Em 2023, os maiores avanços [em termospolíticas indígenas] ocorreram na constituição ou reestruturaçãogrupos técnicos (GTs) para a identificação e delimitaçãoterras indígenas, sob responsabilidade da Funai. É um indicativo da disposição do órgãodar andamento à primeira etapa na regularizaçãodemandas territoriais represadas há anos."&nbsp;
O relatório indica, contudo, que os trabalhos avançam a passos lentos: "apenas três relatóriosidentificação e delimitação foram concluídos e publicados pela Funai2023. E a indefinição sobre o marco temporal torna impossível uma previsão acerca do cumprimento dos prazos estabelecidos nas portarias, na medidaque o governo hesita e utiliza a Lei 14.701/2023 como justificativa para não avançar nos procedimentos demarcatórios”, conclui o Cimi.
Segundo a Funai, após seis anosparalisação dos processos demarcatórios, o governo federal homologou, no ano passado, oito novas terras indígenas e a União destinou maisR$ 200 milhões para açõesproteção e demarcação territorial. Além disso, cercaR$ 5,3 milhões foram destinados ao pagamentoindenizações por benfeitorias a ocupantesboa-fé retiradosterras indígenas.
Consultados, os ministérios dos Povos Indígenas; da Justiça e Segurança Pública e da Saúde informaram não ter tido acesso prévio ao relatório divulgado nesta tarde e que se manifestarão após analisar o documento.
Governo - Consultados, os ministérios dos Povos Indígenas e da Saúde informaram não ter tido acesso prévio ao relatório divulgado esta tarde e que se manifestarão após analisar o documento.
Em nota, o Ministério da Justiça e Segurança Pública informou que a Força NacionalSegurança Pública tem atuadoterras indígenas, sob demanda, para auxiliar outros órgãos a manter a ordem pública e garantir a segurança e integridade patrimonial e das pessoas.
Ainda segundo a pasta, só no primeiro semestre deste ano, agentes da tropa federativa participaramoperações21 áreas indígenasnove unidades federativas, incluindo açõescombate ao garimpo ilegal, remoçãonão-indígenas, proteção dos recursos naturais, policiamento ostensivo e fiscalização ambiental.
Além das operações, a Força Nacional também trabalha na desintrusão das terras Yanomami, Karipuna, Arariboia, Kayapó, Munduruku, Uru-Eu-Wau-Wau e Trincheira Bacajá, esta última, já concluída e, atualmente,fasemonitoramento da região e elaboraçãoum planosustentabilidade do território.
A nota do Ministério informa ainda que as desocupações correm no âmbito da ArguiçãoDescumprimentoPreceito Fundamental (ADPF) 709, expedida pelo Supremo Tribunal Federal (STF)novembro2023. A Suprema Corte homologou os planos operacionaisretiradainvasores dos sete territórios, destacando a necessidadeplanejamentos semelhantes e adaptados à realidadecada comunidade.
“Além disso a SecretariaAcesso à Justiça (Saju) mantém diálogo constante com comunidades indígenas e com organizações como o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), recebendo e articulando as demandas das populações dentro do MJSP e com outros órgãos do Governo Federal a fimgarantir a efetivação dos direitos dos povos indígenas”, concluiu a pasta.

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Númeroindígenas assassinados2023 chega a 208, informa Cimi

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