Por Salim Lamrani - Marília Guimarães nasceufoguetinho de apostauma famíliafoguetinho de apostaclasse médiafoguetinho de apostaorigem portuguesafoguetinho de aposta1945foguetinho de apostaOuro Preto, Minas Gerais, no sudeste do Brasil. Marcada pelas injustiças e desigualdades sociais que afetavam seus compatriotas, desde cedo tomou consciência da realidade da lutafoguetinho de apostaclasses.

Após o golpe militar que derrubou o governo democraticamente eleitofoguetinho de apostaJoão Goulartfoguetinho de aposta1964, Marília Guimarães mudou seu nomefoguetinho de apostaguerra para Miriam e se juntou à luta armada contra a junta golpista como membro da organização Vanguarda Popular Revolucionária. Ela abriu uma escola como fachada para suas atividades militantes. Desmascarada pelo regime, passou à clandestinidade para escapar do destino normalmente reservado aos oponentes políticos. Depoisfoguetinho de apostaum ano na clandestinidade,foguetinho de apostajaneirofoguetinho de aposta1970, decidiu sequestrar um avião, acompanhadafoguetinho de apostaseus dois filhos, Marcello e Eduardo,foguetinho de apostatrês e dois anos respectivamente, e buscar asilofoguetinho de apostaCuba. Durante os preparativos para a operação, ela confiou seus filhos por quinze dias a uma jovem ativista chamada Dilma Rousseff, que viria a se tornar a primeira mulher presidente do Brasil. Depoisfoguetinho de apostauma longa viagemfoguetinho de apostavários dias pelo Uruguai, Argentina, Chile, Peru e Panamá, Marília Guimarães finalmente chegou à ilha onde passaria os próximos dez anosfoguetinho de apostasua vida. No decorrer dessas conversas, Marília Guimarães conta a históriafoguetinho de apostaseu ativismo contra o regime golpista no Brasil e detalha a odisseia que a levou a Havana. Ela descrevefoguetinho de apostanova vidafoguetinho de apostauma sociedade marcada pelo fervor revolucionário e seus encontros com os principais líderes políticos do país, como Fidel Castro, Raúl Castro e Ramiro Valdés. Ela também conheceu figuras emblemáticas do anticolonialismo, como Almicar Cabral, líder históricofoguetinho de apostaGuiné-Bissau e Cabo Verde, e seu irmão Luís Cabral, primeiro presidentefoguetinho de apostaGuiné-Bissau e Cabo Verde. Acimafoguetinho de apostatudo, ela fez amizades duradouras com os principais artistas da Nueva Trova, como Silvio Rodríguez, Pablo Milanés, Augusto Blanca, Vicente Feliú e muitos outros. Depoisfoguetinho de apostapassar uma décadafoguetinho de apostaCuba, ela retornou ao Brasil após a aprovação da leifoguetinho de apostaanistia, mas não abandonou seu compromisso com um mundo mais justo. Foi lá que ela conheceu Lula da Silva, que se tornou seu amigo e a quem ela apoiou ativamente emfoguetinho de apostacarreira política, especialmente durante a última campanha presidencial que o levou à vitória.
Salim Lamrani: Quem é Marília Guimarães? Que lembranças você temfoguetinho de apostasua infância? Como foifoguetinho de apostaeducação?
Marília Guimarães: Nascifoguetinho de apostauma cidade histórica chamada Ouro Preto, no estadofoguetinho de apostaMinas Gerais, no sudeste do Brasil. Foi aqui que os portugueses, que haviam colonizado o país, começaram a explorar as primeiras riquezas do nosso continente. A cidade recebeu esse nome porque o ouro extraído nessa área tinha uma cor escura. É uma bela cidade e um Patrimônio Mundial.

Foi aqui que ocorreu a revolta da Inconfidência Mineirafoguetinho de aposta1789, quando os defensores da independência brasileira expressaram seu desejofoguetinho de apostase separarfoguetinho de apostaPortugal. Um desses ativistas era um poeta chamado Tomás Antônio Gonzaga. Ele havia se apaixonado por uma moça, mas não podia revelarfoguetinho de apostaidentidade porque vivia escondido devido ao seu compromisso político. Naquela época, a cidade era pequena. O nome da moça era Marília, que se tornaria Maríliafoguetinho de apostaDirceufoguetinho de apostaseus poemas. Preso e encarcerado, Gonzaga foi deportado para a África, para Moçambique, onde terminaria seus dias, rompendo assim seu casofoguetinho de apostaamor com Marília e pondo um fim temporário à luta pela independência.

Meu pai, que era apaixonado por história e liberdade, decidiu me chamarfoguetinho de apostaMarília. Tenho muito orgulhofoguetinho de apostaser chamadafoguetinho de apostaMarília. Meus antepassados eram portugueses, assim como meus avós. Fui criada com a nostalgia do fado e a alegria característica dos negros africanos que foram deportados para a América como escravos. Portanto, minha personalidade é caracterizada por essa misturafoguetinho de apostanostalgia e alegria. Portanto, sou origináriofoguetinho de apostaPortugal e da África. Desde muito cedo, herdamos a tradiçãofoguetinho de apostaluta dos africanos que, mesmo tendo sido submetidos à escravidão, sempre se levantaram contra a opressão. Foram eles que construíram o Brasil.

Minha avó era proprietáriafoguetinho de apostauma fazenda. Seus empregados eram ex-escravos. Ela estava muito ciente das realidades sociais e da situação das pessoas mais pobres. Eles frequentemente iam àfoguetinho de apostacasafoguetinho de apostabuscafoguetinho de apostatrabalho ou comida. Durante minhas férias emfoguetinho de apostacasa, testemunhei isso e percebi que ocupávamos espaços muito diferentes na sociedade. Enquanto eu tinha tudo o que precisava, outros vinham implorar por um pedaçofoguetinho de apostapão. Isso foi algo que realmente me afetou e ficou comigo desde então.

SL: O que você lembra sobrefoguetinho de apostaescolaridade?

MG: Estudeifoguetinho de apostauma escola internacional dirigida por franceses. Havia belgas, portugueses e ingleses. A influência francesa sempre foi muito importante no Brasil. Muitas escolas eram dirigidas por freiras francesas e o francês era falado como primeira língua. Foi somente na décadafoguetinho de aposta1950 que uma lei foi aprovada proibindo escolas onde o português era ensinado como segundo idioma. A língua brasileira está repletafoguetinho de apostaneologismos franceses. Dizemos abat-jour, por exemplo. O português falado na África tem a fonética portuguesa, enquanto o brasileiro está mais próximo da fonética francesa. Em Angola e Moçambique, por exemplo, a língua tem uma musicalidade diferente da nossa. É preciso lembrar que, na época, o mundo inteiro estava se rebelando contra o colonialismo, contra a ascensão do capitalismo que se instalavafoguetinho de apostatoda parte. Portanto, cresci nesse contextofoguetinho de apostaagitação que permeava universidades e escolasfoguetinho de apostaensino médiofoguetinho de apostatodo o mundo. Quando adolescentes, éramos rebeldes por natureza. Queríamos conquistar e mudar o mundo. Não havia nada mais bonito do que lutar contra o opressor. Como todos os outros jovens da minha geração, fui pego por essa onda.

Compromisso político

SL: Quais foram suas principais fontesfoguetinho de apostainspiração?
MG: A Revolução Russafoguetinho de apostaoutubrofoguetinho de aposta1917 e o nascimento da União Soviética deixaramfoguetinho de apostamarca no mundo. Nós lemos Marx, Lênin e Stalin. Inicialmente, éramos stalinistas porque era mais fácil estudar o leninismo por meiofoguetinho de apostaStalin. Lênin era um grande intelectual e seus escritos não eram acessíveis a todos. A prosafoguetinho de apostaStalin, por outro lado, era mais acessível à maioria das pessoas e era mais fácil para nós ganhar seguidores por meiofoguetinho de apostaseus textos. Depois disso, evoluímos e voltamos a Lênin.
SL: Em 1964, uma junta militar orquestrou um golpe contra o presidente democraticamente eleito João Goulart, com o apoio dos Estados Unidos. Qual foi a reação dos jovens brasileiros?
MG: João Goulart era a favor da reforma agrária e queria promover mudanças estruturais no Brasil. Ele foi forçado ao exílio pelos golpistas, que ameaçaram tirarfoguetinho de apostavida se ele persistissefoguetinho de apostapermanecer no país. Cercafoguetinho de aposta90% dos ativistas do Partido Comunista Brasileiro (PCB) também foram forçados ao exílio, após a prisãofoguetinho de apostaváriosfoguetinho de apostaseus companheiros pelas forças militares. Os jovens ativistas nas universidades, inclusive eu, estavam procurando uma maneirafoguetinho de apostapôr fim à ditadura. Carlos Marighella, ex-membro do PCB, criou a organização revolucionária Ação Libertadora Nacionalfoguetinho de aposta1968, com o objetivofoguetinho de apostaunir todas as forçasfoguetinho de apostaoposição do país. Ele é uma figura emblemática da resistência brasileira. Clemente era seu nomefoguetinho de apostaguerra.

SL: Você fazia parte desse grupo?

MG: Não, entreifoguetinho de apostaoutra organização chamada Vanguarda Popular Revolucionária. Tínhamos decidido lutar contra a ditadura e estávamos tentando encontrar a melhor maneirafoguetinho de apostalidar com o exército. Éramos poucos e não tínhamos armas, mas éramos movidos por um grande desejofoguetinho de apostamudar o mundo. O PCB havia sido dizimado, então criamos organizações paralelas com uma nova ideia: a luta armada. Nosso objetivo era enfrentar a ditadura militar.

O equilíbriofoguetinho de apostaforças era desigual. Éramos muito jovens, não tínhamos dinheiro e não tínhamos o conhecimento necessário para liderar um projetofoguetinho de apostaluta armada, embora tivéssemos começado a ler tudo o que havia disponível sobre o assunto. Havia uma pequena ilha no Caribe que havia travado uma guerrafoguetinho de apostaguerrilha e tínhamos Cuba como modelo. Mas o Brasil é um país enorme. Como criar célulasfoguetinho de apostaguerrilhafoguetinho de apostaforma semelhante àfoguetinho de apostaCuba? Você precisafoguetinho de apostamuita gente, muito dinheiro e muito treinamento. Além disso, embora o exército brasileiro nunca tenha sido um grande exército, ele era muito mais bem estruturado do que nossas organizações.

SL: Quais foram suas primeiras missões?

MG: Nosso primeiro trabalho foifoguetinho de apostaconscientização. Depois disso, passamos a agirfoguetinho de apostaforma mais ousada, atacando quartéis para conseguir armas. Também aprendemos a sobreviver na floresta. Há uma grande diferença entre o Brasil e Cuba. Na ilha, os animais não são peçonhentos, enquanto aqui é exatamente o contrário: as cobras são extremamente venenosas e as picadas podem ser fatais. Em Cuba, a luta armada ocorreu na Sierra Maestra, que é uma floresta pequena se comparada à Amazônia. Portanto, a experiência cubana tevefoguetinho de apostaser adaptada às realidades geográficas do Brasil.

A junta militar lançou uma campanhafoguetinho de apostarepressão severa e começou a prender ativistas, como aconteceufoguetinho de apostaoutros países do continente onde ditaduras do mesmo tipo estavam no poder. A tortura foi sistematicamente aplicada aos oponentes para extrair informações. Os atosfoguetinho de apostatortura eram indescritivelmente atrozes e desumanos. Os prisioneiros eram cortados com lâminasfoguetinho de apostabarbear e submetidos a choques elétricos. Depois, nas primeiras horas da manhã, eles colocavam essas pessoasfoguetinho de apostahelicópteros e as jogavam vivasfoguetinho de apostaalto mar.

SL: Os ativistas revolucionários que caíram nas mãos do exército tinham pouca chancefoguetinho de apostasobreviver. Que decisão vocês tomaram para tentar salvar alguns deles?
MG: Tivemos a ideiafoguetinho de apostasequestrar o embaixador dos EUA no Brasil e trocá-lo pelos prisioneiros que estavamfoguetinho de apostapiores condições devido aos abusos. Recebíamos informações sobre o estadofoguetinho de apostasaúde deles com bastante regularidade. Também levamosfoguetinho de apostaconta o tamanho e a representatividade dos prisioneiros. Por exemplo, incluímos José Ibrahim, um líder dos trabalhadores que organizou a primeira greve dos metalúrgicosfoguetinho de apostaSão Paulo quando tinha 19 anos, na listafoguetinho de apostaquinze pessoas a serem libertadas. Ele conseguiu paralisar todas as fábricas. Foi um grande sucesso, alcançado por um homem muito jovem, que acabarafoguetinho de apostasair da adolescência. Também estava na lista o líder da União Brasileira dos Estudantes. Tínhamos tão pouca experiência que nossa exigência foi limitada a quinze militantes, embora pudéssemos ter exigido um número muito maior, dada a importânciafoguetinho de apostanosso refém. Foi uma ação extremamente imprudente.
SL: Como foi o sequestro?

MG: Eu não estava diretamente envolvida na ação. Foi o Movimento Revolucionário 8foguetinho de apostaOutubro,foguetinho de apostaCarlos Marighela, que realizou a operação. Nós apoiamos o projeto. Em 4foguetinho de apostasetembrofoguetinho de aposta1969, prendemos Charles Burke Elbrick. José Dirceu fazia parte do comando. Nós o tratamos com o maior respeito. Não éramos carrascos nem assassinos. Explicamos nossos motivos e depois lhe contamos sobre nossa luta e nossa aspiraçãofoguetinho de apostaconstruir um Brasil diferente, mais justo e soberano, sem os militares no poder. Dadas as circunstâncias, nossas relações com o embaixador durantefoguetinho de apostadetenção foram muito boas. De fato, ele deu uma declaração à imprensa nesse sentido apósfoguetinho de apostalibertação.

A troca ocorreu após uma semanafoguetinho de apostanegociações e os quinze ativistas receberam salvo-condutos para o México antesfoguetinho de apostaviajar para Cuba.

SL: Como vocês conseguiram sequestrar uma figura tão importante?

MG: Tivemos o fator surpresa a nosso favor. Hojefoguetinho de apostadia, os embaixadores tomam mais medidasfoguetinho de apostasegurança quando viajam, com vários guarda-costas. Isso não acontecia naquela época. O embaixador saíafoguetinho de apostaseu escritório com seu motorista e voltava para casa.

Assim, elaboramosfoguetinho de apostaagenda com detalhes minuciosos, anotando seus horáriosfoguetinho de apostaentrada e saída, a rota que ele fazia para chegar à embaixada e,foguetinho de apostaseguida, entramosfoguetinho de apostaação. A operação ocorreu sem problemas e levamos o embaixador para uma casa no bairrofoguetinho de apostaSanta Teresa, nas colinas acima do Riofoguetinho de apostaJaneiro. Esse era o bairro inglês, onde vivia a comunidade britânica.

No entanto, os moradores locais descobriram a presença do comando porque a casa, que até então estava vazia,foguetinho de apostarepente ficou cheia com cercafoguetinho de apostadez pessoas. Mesmo que as precauções tenham sido tomadas, elas não foram suficientes, o que ilustrou nossa inexperiência. O grupo precisava ser alimentado e, quando um dos ativistas saiu para comprar algumas pizzas, voltou com uma quantidade que chamou a atenção dos vizinhos. As autoridades foram alertadas e a maioria dos membros do comando foi presa, enquanto o embaixador foi liberado. Felizmente, a negociação já havia sido feita e os ativistas presos estavamfoguetinho de apostasegurança no México.

A ditadura ficou sem palavras e imaginou que, para conseguir sequestrar o representante da maior potência do mundo, a operação havia sido realizada com o apoiofoguetinho de apostaum aparato militar muito grande. Na realidade, nossas organizações eram modestas e carentesfoguetinho de apostarecursos. Mas tínhamos a vontade, e isso era o mais importante.

SL: Como foram as operaçõesfoguetinho de apostaguerrilha?

MG: Tínhamos planejado abrir bolsõesfoguetinho de apostaguerrilha nas áreas florestais próximas às cidades, enquanto continuávamos nossas operaçõesfoguetinho de apostacombate armado nas áreas urbanas. Nossas ações eram mais fáceisfoguetinho de apostaserem executadas na cidade. Assaltamos bancos para obter recursos financeiros e atacamos quartéis para obter armas. O objetivo seguinte era estabelecer uma sólida frentefoguetinho de apostaguerrilha para combater o exército. Essa era a nossa ideia principal.
SL: Em nível pessoal, quais eram suas atividades?
MG: Em primeiro lugar, eu era responsável por investigar as pessoas que recrutávamos para a nossa causa. Depois, quando planejávamos roubar um banco, eu ia até o local para fazer o reconhecimento necessário. Eu contava os minutos que levaria para chegar lá. Entrava no banco para contar o númerofoguetinho de apostaguardas armados presentes e memorizava o layout do local. Por fim, eu informava aos membros da equipefoguetinho de apostacomando. Em nosso grupo, onde o machismo reinava apesarfoguetinho de apostanossas ideias progressistas, as mulheres recebiam as tarefas secundárias nesse tipofoguetinho de apostaação. Por exemplo, eu podia dirigir o carro, mas tinhafoguetinho de apostaficar do ladofoguetinho de apostafora e fazer a vigilância durante o ataque armado. Eu não podia participar porque era considerado muito perigoso para uma mulher. A luta contra o machismo é uma batalhafoguetinho de apostalongo prazo que continua até hoje. As mulheres são fortes e os homens precisam aceitar essa realidade e nos ver como iguais. A sociedade acabará entendendo isso, mesmo que não possamos acabar com séculosfoguetinho de apostadominação masculina da noite para o dia.
SL: Em seguida, você decidiu abrir uma escola. Quais foram suas motivações?

MG: É preciso entender que eu me formei como professora. Trabalhei muito com Paulo Freire e desenvolvi um métodofoguetinho de apostaensino diferente. Sempre gosteifoguetinho de apostanovas formasfoguetinho de apostaensinar para facilitar o aprendizado. Comprei uma escola no Riofoguetinho de apostaJaneiro que era um estabelecimento experimental e treinei meus professores lá. Era também o local ideal para nossas atividades. Sempre há muito movimentofoguetinho de apostauma escola e as visitas regulares dos ativistas não chamavam a atenção das autoridades. Os pais vinham deixar seus filhos e havia muitos funcionários. Era uma cobertura muito boa para nossas atividades.

A escola também serviafoguetinho de apostarefúgio para companheirosfoguetinho de apostaoutras partes do país cujas atividades haviam sido descobertas pela ditadura e que tiveramfoguetinho de apostase esconder. Eu os recebia e lhes oferecia asilo e proteção. Eles então se juntavam ao nosso grupofoguetinho de apostaação no Riofoguetinho de apostaJaneiro. A escola era uma infraestrutura fundamental para os guerrilheiros. Também tínhamos que realizar trabalhosfoguetinho de apostainformação e propaganda e distribuir literatura revolucionária para conscientizar as pessoas sobre a causa da liberdade. Não podíamos comprar livros. Com outros companheiros, compramos um grande mimeógrafo –foguetinho de apostacerta forma, o precursor da impressora – que pertencia ao Instituto da Malária, que havia falido. Nós o limpamos da forma mais meticulosa possível para que não pudesse ser identificado, mas não foi o suficiente.
SL: O que aconteceu?
MG: Imprimimos documentos que distribuímos entre os militantes. Um dos livros que distribuí foi La guerrafoguetinho de apostaguerrilhas,foguetinho de apostaChe Guevara. Ele foi publicadofoguetinho de apostaum momento fundamental na história da América Latina. Em dezembrofoguetinho de aposta1968, a escola ia fechar por causa das férias escolares. É claro que não poderíamos suspender nossas atividades e ações militantes, especialmente a guerrafoguetinho de apostaguerrilha. Então, decidimos transferir o mimeógrafo para a casafoguetinho de apostaum amigo. Assim, poderíamos continuar nosso trabalhofoguetinho de apostaimpressão. A ideia era levar a máquinafoguetinho de apostavolta para a escola quando as aulas fossem retomadas. Mas houve um incidente. Em fevereirofoguetinho de aposta1969, a namorada desse camarada foi presa emfoguetinho de apostacasa e as autoridades descobriram o mimeógrafo e os documentos impressos, ou seja, literatura marxista, considerada subversiva. Havíamos limpado a máquina quando a compramos, mas não havíamos percebido que havia uma pequena placa com as iniciais do Instituto da Malária. A polícia investigou, localizou o vendedor e descobriu que o mimeógrafo havia sido comprado por uma escola. E eu era a diretora e proprietária da escola.
SL: Você foi presa?
MG: Quando soube que meu amigo tinha sido preso e que o mimeógrafo tinha sido encontrado, disse a um membro do nosso grupo, Carlos, que iríamos falsificar uma nota fiscal dizendo que tínhamos vendido o aparelho e que iríamos arquivá-la como prova.

Carlos era um nomefoguetinho de apostaguerra, porque todos nós usávamos nomefoguetinho de apostaguerra por motivosfoguetinho de apostasegurança e não conhecíamos as identidades reais dos militantes, embora, nesse caso, eu soubesse quem ele era. Meu nomefoguetinho de apostaguerra era Miriam e sempre me chamaram assim. É um nomefoguetinho de apostaque gosto muito. Muitas pessoas ainda me chamam pelo meu nomefoguetinho de apostaguerra.

Em marçofoguetinho de aposta1969, pouco antes do início das aulas – no Brasil, as férias escolares começamfoguetinho de apostadezembro e terminam depois do Carnaval – , eu estava no meiofoguetinho de apostauma reunião com meus professores quando,foguetinho de apostarepente, o exército invadiu a escola. Nunca vou me esquecer desse momento. Os soldados chegaram à porta com um documento verde e amarelo que era um mandadofoguetinho de apostaprisão contra mim. Eu disse ao oficial o quanto estava surpresa. “Você é uma subversiva e comunista”, ele respondeu. Eu lhe disse que ele estava com a pessoa errada. Ele me falou sobre o mimeógrafo e os documentos marxistas. Neguei categoricamente e continuei com a minha história: eu havia vendido a câmera alguns meses antes e mostrei a ele o recibo.

Eles queriam levar o recibo com eles, mas eu me opus, explicando que não tinha outra cópia. O oficial queria que eu os acompanhasse imediatamente ao Ministério da Guerra. Eu me opus, dizendo que não poderia me apresentar a tal autoridade sem estar vestido adequadamente. Eu estava tentando ganhar tempo. Eles finalmente aceitaram meu pedido e foram embora.

SL: O que você fezfoguetinho de apostaseguida?
MG: Saí da escola e tentei apagar meus rastros. Tinha medofoguetinho de apostaser seguido. Finalmente voltei para casa, peguei meus dois filhos, Marcello e Eduardo, que tinham três e dois anos, respectivamente, e me escondi. Minha organização precisavafoguetinho de apostadinheiro e muitosfoguetinho de apostanós já estávamos vivendo na clandestinidade. Depoisfoguetinho de apostauma análise cuidadosa, nosso líder, Juarez, o comandante da VPR – o homem que me deu meu nomefoguetinho de apostaguerra, Miriam – me aconselhou a procurar as autoridades e dizer a elas que eu não tinha nada a ver com os movimentos revolucionários. Havia um risco, mas ele conhecia bem minha personalidade e estava convencidofoguetinho de apostaque eu seria persuasivo. Os outros companheiros se opuseram ferozmente à ideia devido ao perigofoguetinho de apostaserem presos, torturados ou até assassinados. Mas, no final, Juarez conseguiu impor seu pontofoguetinho de apostavista. É verdade que muitosfoguetinho de apostanossos companheiros estavam escondidos e não tínhamos dinheiro suficiente para sustentá-los. É preciso muito dinheiro quando se vive na clandestinidade. Cercafoguetinho de apostaum mês depois, fui ao Ministério da Guerra.
SL: Como você foi recebida?

MG: O exército não esperava minha visitafoguetinho de apostaforma alguma. Várias semanas depois, eu apareci e disse que não tinha nada a ver com isso. Eu tinha uma boa desculpa para minha ausência: o pai dos meus filhos estava doente e eu tinha que cuidar da minha família. De fato, como medidafoguetinho de apostaprecaução, meus filhos não estavam mais no Rio. Eu os havia levado para outro lugar, para Minas, para ficar com minha irmã.

Fui interrogada por 72 horasfoguetinho de apostacondições muito difíceis. Eles se revezavam para me fazer as mesmas perguntas e tentar encontrar uma brechafoguetinho de apostaminha história.

Durante o interrogatório, mostraram-me fotosfoguetinho de apostameus companheiros mortos, que haviam sido brutalmente torturados, e minhas reações foram cuidadosamente observadas. Uma das fotos que me foi mostrada era do companheiro que havia comprado o mimeógrafo comigo e que havia sido detido e assassinado pela ditadura. Mostraram-me uma fotofoguetinho de apostaseu corpo estrangulado e mutilado. A imagem era insuportável. Foi extremamente difícil para mim manter o controlefoguetinho de apostaminhas emoções. Para poder resistir psicologicamente à detenção, pensei no Che e tentei extrair a força necessáriafoguetinho de apostaseu exemplo. Mas por dentro eu estava completamente destruída.

SL: Você foi submetida a violência física?
MG: Um dos soldados, armado com uma faca, aproximou-sefoguetinho de apostamim com a intençãofoguetinho de apostacortar meu peito. Felizmente, umfoguetinho de apostaseus colegas interveio e conseguiu dissuadi-lo, lembrando-ofoguetinho de apostaque eles não tinham provasfoguetinho de apostaque eu era um agente da subversão. Eles não sabiam se eu era diretora e proprietáriafoguetinho de apostauma escola burguesa, o que era verdade, ou se eu era um ativista revolucionária, o que também era o caso.

Felizmente, consegui semear a dúvidafoguetinho de apostasuas mentes e finalmente consegui suportar a provação sem vacilar. Mas um dos soldados presentes não acreditoufoguetinho de apostaminha versão dos fatos nemfoguetinho de apostaminha inocência. Ele continuou dizendo que eu estava falando bobagem e que não estava dizendo a verdade. Então, eles decidiram me colocarfoguetinho de apostauma prisãofoguetinho de apostaLa Pedrera. Mas como não tinham nenhuma prova concreta, decidiram me soltar nas primeiras horas da manhã e me levaramfoguetinho de apostavolta ao Riofoguetinho de apostaum pequeno barco.

Dei a volta no Rio para me certificarfoguetinho de apostaque não estava sendo seguido e passei longas horas na praia pensandofoguetinho de apostaminhas ações futuras. Finalmente, fui para um esconderijo que havíamos montado para o casofoguetinho de apostauma emergência e lá encontrei Juarez, que estava me esperando há vários dias. Ele estava eufórico e me dizia que sabia que os militares cairiam na armadilha e acreditariam na minha história. O paifoguetinho de apostameus filhos me disse para ir para casa, mas eu me recusei.

SL: Por que você fez isso?

MG: Eu sabia que os militares não tinham acreditadofoguetinho de apostaminha história. Eu tinha conseguido incutir dúvida suficiente para que eles me libertassem, mas eles ainda desconfiavam muitofoguetinho de apostamim. Portanto, era muito perigoso para mim voltar para casa. Então, decidi ir para a casa da irmã dele, mas o exército já estava lá me procurando. No dia seguinte à minha libertação, os soldados prenderam a pessoa que havia nos vendido o mimeógrafo, que me identificou positivamentefoguetinho de apostauma das fotos. Ele também identificou o companheiro que me acompanhava e que havia sido morto pelo exército. Agora eles tinham uma prova concreta com esse testemunho. Tive muita sorte porque meu destino foi decididofoguetinho de aposta24 horas.
SL: Foi então que você se tornou clandestina.

MG: Sim, por quase um ano vivi escondida. Foi uma época muito difícil. Saífoguetinho de apostacasa às pressas, sem levar nada comigo, sem dinheiro. Tive que ficar sozinha, não me comunicar com ninguém e ser o mais discreta possível, porque meu retrato estava espalhado por toda partefoguetinho de apostacartazesfoguetinho de apostaprocurado. Eu tinha que sair disfarçada. Às vezes, minha única refeição do dia era um pedaçofoguetinho de apostapão. Eu morava na favela. Passava noites inteiras dormindofoguetinho de apostameu carro na beira da estrada. Às vezes, dormia na casafoguetinho de apostaamigos, no porão, mas não podia ficar com a mesma pessoa por maisfoguetinho de apostaum dia por motivosfoguetinho de apostasegurança. Era uma vida insuportável.

Além disso, eu tinha dois filhos pequenos, o que complicava ainda mais a situação. Meus filhos estavam com fome e precisavam sair para brincar. A vida na clandestinidade não é para crianças. Marcello ficou doente e não pude levá-lo ao médico. O anofoguetinho de aposta1969 se passou assim e eu não conseguia encontrar uma solução que mantivesse as crianças seguras. Eu estava sempre mudandofoguetinho de apostacidade efoguetinho de apostaestado. Estavafoguetinho de apostaum beco sem saída, à beirafoguetinho de apostaum abismo, e sabia que, mais cedo ou mais tarde, se não tomasse uma decisão radical, cairia nas garras da ditadura. Não se passava uma semana sem que companheiros fossem capturados e assassinados.

A tomadafoguetinho de apostareféns e o sequestro do avião

SL: Então você decidiu sequestrar um avião comercial e deixar o país. Por que escolheu se exilarfoguetinho de apostaCuba e não na França, por exemplo?

MG: Apesar da minha situaçãofoguetinho de apostamulher casada e com dois filhos, depoisfoguetinho de apostaum ano vivendo ilegalmente, onde cada dia poderia ser o último, eu não conseguia me ver indo para a Europa. Embora estivesse preparada para dar minha vida pela revolução no Brasil, não poderia ir para um país ocidental e abandonar a causa da luta pela emancipação. Cuba estavafoguetinho de apostameio a um processo revolucionário e achei que poderia dar minha modesta contribuição à luta daquele povo pela dignidade humana. Eu era uma professora com experiênciafoguetinho de apostaeducação. A música e a literatura brasileiras são extremamente ricas e tive a sortefoguetinho de apostater recebido uma excelente educação. O que eu teria feitofoguetinho de apostaParis? Então, eu queria ser útilfoguetinho de apostaCuba. Queria dar estabilidade aos meus filhos e sabia que encontraria isso na ilha, onde o bem-estar das crianças é uma prioridade nacional. Em nenhum país capitalista meus filhos poderiam ter desfrutadofoguetinho de apostatamanha estabilidade emocional.
SL: Como foi o desenvolvimento da operação?
MG: Após uma análise cuidadosa, todos nós chegamos à conclusãofoguetinho de apostaque a única solução era deixar o Brasil. Então, viajeifoguetinho de apostaônibus para Porto Alegre, no sul do país, parandofoguetinho de apostacada estado por uma noite para cobrir meus rastros. Uma vez lá, meus companheiros e eu começamos a preparar a estratégia para essa operação arriscada. Mas, para poder cumprir essa missão, tivefoguetinho de apostaconfiar meus filhos Marcello e Eduardo a alguém para que eu pudesse trabalharfoguetinho de apostaboas condições.

SL: Foi nesse momento que você conheceu uma jovem ativista chamada Dilma Rousseff, que viria a se tornar a primeira mulher presidente do Brasil.

MG: Dilma tinha apenas 22 anos e eu nunca a havia conhecido antes. Ela veio buscar as criançasfoguetinho de apostauma noite e cuidou do Marcello e do Eduardo, que eram muito jovens, por quase duas semanas.

Permita-me fazer um comentário sobre ela como pessoa. Algumas pessoas que trabalharam com a Dilma dizem que ela tem uma personalidade muito forte e que às vezes é difícil conversar com ela. Eu tenho uma opinião completamente oposta sobre ela. A Dilma é infinitamente carinhosa. Imaginem a situação. Meus filhos estiveram constantemente comigo por quase um ano enquanto estávamos escondidos. De um dia para o outro, eles eram separados da mãe e deixados para passar quinze dias com uma jovem desconhecida. Quando os vi novamente após duas semanas, eles ficaram muito felizes, apesar da minha longa ausência, com a qual não estavam acostumados. Duas semanas é um tempo muito longo para duas crianças separadas da mãe, o que prova que a Dilma é uma pessoa especial, com muita bondade e generosidade, porque as crianças nunca se enganam sobre as pessoas. A Dilma tinha sido uma ótima mãe substituta, cuidando tão bem dos meus filhos que eles conseguiram aceitar minha ausência sem grandes dificuldades. A presençafoguetinho de apostauma mãe é muito importante, especialmente para crianças pequenas. Marcello e Eduardo, que agora são adultos, ainda adoram Dilma, não a Dilma que é presidente, mas a Dilmafoguetinho de aposta22 anos que cuidou deles quando eram crianças vulneráveis, marcadas pela clandestinidade e separadas da mãe. Para eles, Dilma será sempre a menina que lhes deu amor e proteçãofoguetinho de apostaum momento difícilfoguetinho de apostasua infância.

SL: Quantas pessoas estavam envolvidas no sequestro do avião?

MG: Atravessamos a fronteira para Montevidéu, no Uruguai. Éramos quatro no início, depois seis, porque o líder do comando, Andrada, decidiu incluir dois outros companheiros, que não faziam parte da nossa organização e cuja presença não estava planejada. No total, com meus dois filhos, éramos oito. Os Tupamaros nos alojaram por um tempofoguetinho de apostauma casa e depois fomos para um hotel até o grande dia. Como eu tinha dois filhos e muita bagagem, fiquei encarregadafoguetinho de apostalevar as armas para o avião. Naquela época, não havia as medidasfoguetinho de apostasegurança que existem hoje nos aeroportos. Eu era muito magra e havia comprado um vestido muito grande para esconder o arsenal. Sentei-me na partefoguetinho de apostatrás do avião com Marcello e Eduardo, para protegê-los e evitar que um passageiro os pegassefoguetinho de apostaum momentofoguetinho de apostapânico. Uma vez a bordo, Andrada foi falar com o capitão para pedir-lhe que desviasse a rota para Cuba. O capitão, que era muito experiente, foi muito profissional e cooperativo. Ele informou os passageiros sobre a situação e pediu que mantivessem a calma. Porém, depois que entramos no avião, ele nos disse que não era possível chegar a Cuba porque o tempofoguetinho de apostavoo erafoguetinho de apostaapenas duas horas. Além disso, havia o fatofoguetinho de apostaque nenhumfoguetinho de apostanós tinha o mínimo conhecimentofoguetinho de apostaaviação. Eles poderiam ter nos levado para a Antártica e não saberíamosfoguetinho de apostanada.
SL: Como vocês conseguiram chegar a Cuba naquelas condições?
MG: Nossa grande sorte foi que encontramos um capitão que já havia passado por uma experiência semelhante. Ele já havia sido feito refém por um grupo que queria ir para Cuba. Portanto, ele foi muito cooperativo e tranquilo, o que facilitou nosso trabalho. Garantimos a ele que o avião iria para Cubafoguetinho de apostauma forma oufoguetinho de apostaoutra. Foi uma longa viagem. Primeiro fomos para Buenos Aires, na Argentina. Depois, fomos para Antofagasta. Do Chile, decolamos para o Peru. A situação no Peru se tornou muito complicada. O Ministro das Relações Exteriores do Peru foi até a pista do aeroporto para tentar nos convencer a sair do avião. Naquela época, o governo militar revolucionáriofoguetinho de apostaJuan Velasco Alvarado estava no poder. O ministro me ofereceu asilo político para mim e meus dois filhos.

Tranquilizei meus companheiros e disse-lhes que não os abandonaria, apesar da insistência do ministro, que veio me ver nada menos que três vezes. No final, fomos autorizados a partir, depoisfoguetinho de apostaconsertar um problema com nossas hélices. Em seguida, decolamos para o Panamá. Lá, a situação era tensa porque as autoridades haviam dado secretamente uma arma ao capitão que havia descido para que ele a usasse contra nós, criando pânico e incentivando um ataque ao avião. Mas, felizmente, mesmo que ele tivesse aceitado a arma, recusou-se a usá-la contra nós, pois isso teria causado uma tragédia.

Descobri tudo isso 30 anos depois, quando vi o comandante novamente na apresentaçãofoguetinho de apostameu livro no Riofoguetinho de apostaJaneiro. Ele havia feito um chaveiro com uma balafoguetinho de apostarevólver e me contou toda a história.

Exíliofoguetinho de apostaCuba

SL: Como você foi recebida quando chegou a Cuba?

MG: Devo dizer que devo minha vida aos jornalistas que divulgaram esse casofoguetinho de apostatodo o mundo e que acompanharam nossa viagem a Cuba, principalmente porque meus filhos estavam lá. Tornou-se impossível para as forças armadas dos vários países pelos quais passamos invadir a aeronave. Ninguém queria assumir a responsabilidade por qualquer tragédia que pudesse ocorrer com a presençafoguetinho de apostameus filhos. Portanto, tenho uma dívidafoguetinho de apostagratidão com os jornalistasfoguetinho de apostageral.

Não tínhamos nenhum conhecimentofoguetinho de apostaaviação. A única coisa que eu sabia era que o aeroportofoguetinho de apostaHavana tinha o nomefoguetinho de apostaJosé Martí. Três soldados uniformizados e armados com metralhadoras entraram no avião e perguntaram onde estava “a mulher com as duas crianças”. Na época, eu falava muito pouco espanhol.

Eu estavafoguetinho de apostaum estado físico e psicológico crítico, pois havíamos passado três dias sem comida ou água. Temíamos que a comida pudesse estar contaminada por alguma substância. Meus filhos conseguiram comer graças à comida que eu havia levado comigo. Estávamos todos muito fracos. Olhando para trás, acho que quando você está determinado a fazer algo que é vital para você efoguetinho de apostafamília – nesse caso, salvar nossas vidas e especialmente as dos meus filhos – você consegue encontrar a energia necessária para fazer o trabalho.

Quando cheguei ao corredor para descer do avião, lembro-mefoguetinho de apostater visto uma imensidão verde. Ao redor do avião havia soldadosfoguetinho de apostatrajes militares. Eu estava carregando meus filhos nos braços e, quando passei por um soldado, ele acariciou a cabeçafoguetinho de apostaEduardo. Foi nesse exato momento que eu soube que estava realmentefoguetinho de apostaCuba. Consegui liberar toda a pressão que havia acumulado desde o início da operação, porque finalmente me senti segura.

SL: O que aconteceu depois?

MG: Fomos separados e as autoridades nos informaram que Cuba não aceitava sequestradores. Foi uma grande surpresa para nós. O que eu ia fazer com meus dois filhos? Disseram-nos que o governo mexicano seria contatado para nos acolher. Eu me opus a isso. Após uma longa discussão, os cubanos finalmente me disseram que eu poderia ficar na ilha com meus filhos, mas que meus amigos teriamfoguetinho de apostair para o México. foguetinho de aposta Mais uma vez, expressei minha firme oposição a essa ideia, enfatizando que não estava abandonando meus companheiros no caminho. Acho que eles se reconheceram nesses princípios, porque os cubanos nunca abandonam os seus no campofoguetinho de apostabatalha. Houve uma reuniãofoguetinho de apostaEstado, com a presençafoguetinho de apostaFidel, e eles concordaramfoguetinho de apostanos dar asilo político.

SL: Como foram os primeiros mesesfoguetinho de apostaCuba?
MG: Os primeiros meses foram bastante difíceis porque você tinhafoguetinho de apostase adaptar a uma nova sociedade, mas a atmosfera era bastante calma. Morei no Hotel Capri com meus filhos durante um ano inteiro. Apesarfoguetinho de apostatermos ficado na suíte presidencial, que era muito grande, a vida não foi fácil porque o local não foi projetado para acomodar crianças pequenas por um período tão longo. foguetinho de aposta Mais tarde, nos mudamos para um apartamento no bairrofoguetinho de apostaMiramar.
SL: Quais foram seus primeiros encontros na ilha?
MG: A primeira pessoa que conheci foi Luís Travassos, que havia sido libertado na troca com o embaixador americano.

Conheci Roque Dalton, o poeta e revolucionário salvadorenho. Ficamos amigos rapidamente. Ele também tinha dois filhos e lembro que trouxe uma sacola cheiafoguetinho de apostabrinquedos para Marcello e Eduardo.

Marta Solís, uma jornalista mexicana que trabalhava para a Revista Siempre, foi outro grande encontro. Duas semanas após minha chegada, ela me convidou para ir àfoguetinho de apostacasa. Ela moravafoguetinho de apostaum apartamento perto do Capri. Quando cheguei, um homem negro enorme abriu a porta com um grande sorriso. Ele não falava português e eu não falava espanhol. Ele sabia que eu era a “mulher do avião com duas crianças pequenas”. Ele me disse que adorava a cantora brasileira Elis Regina. Esse era Pablo Milanés.
SL: Fale-nos sobre Pablo Milanés.
MG: Conversamos muito sobre música quando nos conhecemos. Quando estávamos nos despedindo, Pablo me disse: “Sou o primeiro a me inscrever no movimento guerrilheiro brasileiro. Me coloque na lista”. Daquele momentofoguetinho de apostadiante, nasceu uma grande amizade entre nós que durou atéfoguetinho de apostamorte recente. Eu sempre o chameifoguetinho de apostaPablito. Ele me ajudou muito com as crianças. Ele as buscava na escola. Preparava suas mamadeiras. Cuidava delas quando estavam doentes. Ele era um membro da família. Estávamos juntos o tempo todo. Ele não era um rebelde, mas estava ciente da realidade do mundo. Ele criticava a política culturalfoguetinho de apostaCuba e não hesitavafoguetinho de apostadizer isso pessoalmente. Escreveu algumas das mais belas canções da Nueva Trova. Divulgou a música cubanafoguetinho de apostatodo o mundo e fez a Revolução brilhar. Yolanda é agora um hino internacional. Ele desempenhou um papel fundamental na aberturafoguetinho de apostaseu país. Ele tinha um grande amor por Cuba.

SL: Você também conheceu Silvio Rodríguez, que até dedicou uma música a você.

MG: Silvio tem uma personalidade completamente diferente dafoguetinho de apostaPablito. Ele é muito tímido. Ele escreve músicas maravilhosas. Sua devoção à Revolução Cubana é inigualável. Eu amo muito o Silvio. Ele é como um irmão para mim.

Quanto à música, a história é a seguinte: Silvio e Vicente Feliú precisavam comporfoguetinho de apostaum lugar tranquilo porque, devido àfoguetinho de apostafama, eram constantemente assediados por fãs que pediam autógrafos. Então, eu lhes emprestava regularmente meu apartamento. Quando eles vinham trabalharfoguetinho de apostaminha casa, eu ia com meus filhos para a casafoguetinho de apostaoutra amiga mexicana chamada Bertha, onde eu tinha um quarto à minha disposição.

Certa noite, depoisfoguetinho de apostadeixar meu apartamento para eles, fui buscar algumas roupas. Eu estava sentindo saudades e sentia muita falta do Brasil. Silvio me perguntou o que estava acontecendo e eu expliquei como me sentia. Embora eu estivesse felizfoguetinho de apostaCuba e tivesse muitos amigos lá, sentia faltafoguetinho de apostaminha terra natal. Lembro-mefoguetinho de apostater dito ao Silvio: “Sua lua é diferente da minha. Não é a mesma. A minha é maior”. Silvio, surpreso, retrucou: “Como assim,foguetinho de apostalua é maior? A lua é a mesmafoguetinho de apostatodo lugar!” Eu não podia discutir. É uma questãofoguetinho de apostalatitude. Essa diferençafoguetinho de apostalatitude tem um impacto sobre o corpo. O cheiro do mar também era diferente. O Silvio ficava me dizendo: “Mas Miriam, do que você está falando?

Meus amigos cantores faziamfoguetinho de apostatudo para me deixar feliz. Por exemplo, o grupo Manguaré aprendeu dezenasfoguetinho de apostamúsicas brasileiras e, toda vez que eu ia a umfoguetinho de apostaseus shows, eles cantavamfoguetinho de apostaportuguês. Os exilados chilenosfoguetinho de apostaCuba não acreditavamfoguetinho de apostaseus olhos. Então, conversei um pouco com Silvio e os cantoresfoguetinho de apostameu apartamento, e ele me pediu para ir descansar: “Vá dormir, senão você vai passar a noite toda conversando com a gente sobre a lua e o mar”. No dia seguinte, eu ainda estava dormindo quando senti alguém tocar meu pé. Era o Silvio: “Acorde, vou cantar algo para você”. Era Pequeña serenata diurna, uma música magníficafoguetinho de apostaritmofoguetinho de apostasamba-canção. Também me lembro que, há alguns anos, Silvio organizou um showfoguetinho de apostaSan Antoniofoguetinho de apostalos Baños, a cidade onde ele nasceu, e eu estava lá. Ele cantou todas as minhas músicas favoritas. Lembro que estava chovendo muito e era um show ao ar livre. A última música que ele cantou foi Pequeña serenata diurna e ele me fez subir ao palco para cantá-la com ele. Foi magnífico. Augusto Blanca também me dedicou uma bela canção chamada No olvides que una vez tú fuiste sol. Para dizer a verdade, acho que não mereço tal honra.
SL: Você conheceu outros cantores cubanos.

MG: Conheci o Noel Nicola e me apaixonei por ele. Bem, não me apaixonei por Pablito, que era muito bonito, mas por Noel Nicola, que não era muito bonito, para dizer o mínimo. As pessoas o apelidaramfoguetinho de aposta“Drácula”. Mas ele tocava guitarra como ninguém e ficamos apaixonados por muito tempo.

foguetinho de aposta Mais tarde, conheci todos os cantores da Nueva Trova, na casafoguetinho de apostaMarta ou na ICAIC. Conheci Sara Gonzalez, Sergio Vitier e Leo Brower porque todos eles faziam partefoguetinho de apostaum grupofoguetinho de apostaexperimentação sonora. Passei a fazer parte do mundo da Nueva Trova, apesarfoguetinho de apostanão tocar nenhum instrumento e cantar desafinado. Tenho muito orgulho disso.

Esses jovens têm desempenhado um papel fundamentalfoguetinho de apostaCuba. Como você sabe, a ilha sofre com um bloqueio brutal e desumano que afeta todos os setores da sociedade, inclusive a cultura. A partir da décadafoguetinho de aposta1970, os trovadores começaram a ser convidados a se apresentarfoguetinho de apostatodo o mundo, na França, na Itália e na União Soviética, e isso levou a um graufoguetinho de apostaabertura.

Na décadafoguetinho de aposta1960, Fidel havia dito que Cuba seria necessariamente um paísfoguetinho de apostaconhecimento, pensamento e cultura. Por isso, criamos o Instituto Cubanofoguetinho de apostaArtes e Indústria Cinematográfica, a Casafoguetinho de apostalas Américas, a União Nacionalfoguetinho de apostaEscritores e Artistasfoguetinho de apostaCuba, a Uniãofoguetinho de apostaJornalistasfoguetinho de apostaCuba, enquanto construíamos uma nova sociedade.

SL: Como era a vidafoguetinho de apostaCuba?

MG: Em comparação com os países capitalistas, Cuba estava atrasadafoguetinho de apostatermos materiais. Mas no campo da educação, por exemplo, Cuba era uma nação muito avançada. Descobri uma sociedade totalmente diferente, com o trabalho voluntário que havia sido criado por Che. O trabalho voluntário acontecia no fimfoguetinho de apostasemana, depoisfoguetinho de apostauma semana inteirafoguetinho de apostatrabalho comum. Lembro-me das pessoas cantando enquanto se amontoavamfoguetinho de apostacaminhões aos domingos para cortar cana-de-açúcar. Era a época da colheitafoguetinho de aposta“10 milhões”. O objetivo era produzir 10 milhõesfoguetinho de apostatoneladasfoguetinho de apostaaçúcar. Eu desfrutavafoguetinho de apostatotal liberdadefoguetinho de apostaCuba. Por exemplo, eu queria que as crianças nas creches pudessem ouvir música clássica na hora das refeições e antes da sesta. Essa era minha grande aspiração. Eu queria que as crianças das escolas maternais, primárias e secundárias tivessem acesso à música. Então, fui ao Ministério da Educação e pedi uma audiência com o ministro, que era José Ramón Fernández, o Gallego, como era conhecido. Ele me recebeu e eu lhe expliquei meu projeto. Ele me disse que Cuba não tinha recursos para oferecer música clássicafoguetinho de apostatodas as creches do país. Sugeri que ele fizesse uma experiência na creche onde Marcello e Eduardo estavam. Foi um grande sucesso. Posteriormente, Silvio, Pablito, Nicola, Sara e os outros cantores deram aulasfoguetinho de apostamúsicafoguetinho de apostaescolas.
SL: Naquela época, Cuba era um paraíso para revolucionários e exilados políticosfoguetinho de apostatodo o mundo. Quem você conheceu na ilha?
MG: Conheci muitos camaradasfoguetinho de apostatodo o mundo. Meu encontro com Amílcar Cabral e Luís Cabral, os líderes revolucionáriosfoguetinho de apostaGuiné Bissau e Cabo Verde, deixou uma profunda impressãofoguetinho de apostamim. Conheci Amílcar Cabral na cafeteria do Hotel Capri no primeiro anofoguetinho de apostaminha estadafoguetinho de apostaCuba. Eu não sabia quem ele era. Ele me encarou com tanta intensidade que fiquei com medo. Eu tinha acabadofoguetinho de apostachegar à ilha, ainda com as cicatrizesfoguetinho de apostameu ano na clandestinidade, e me perguntei se ele não seria um agente secreto. Eu via inimigos por toda parte. Então, saí rapidamente da cafeteria, peguei o elevador e subi para o meu quarto. Mas ele me seguiu e pegou o elevador também! Ele me perguntoufoguetinho de apostaportuguês: “De onde você é?” Respondi: “De Portugal”, com meu sotaque brasileiro! Ele continuou: “Você conhece o hospital Santa María?” Comecei a entrarfoguetinho de apostapânico. Eu não tinha sotaque português e não conhecia Portugal. Então respondi: “Não, moro no Brasil desde pequena”. Assim que as portas do elevador se abriram, fugi rapidamentefoguetinho de apostavolta para o meu quarto. Mas ele parou no mesmo andar que eu! E entrou no quarto ao lado do meu! Pensei comigo mesma: “Meu Deus, esse cara está aqui para nós e vai machucar meus filhos. Estamos perdidos”. Eu estava andandofoguetinho de apostaum lado para o outro no meu quarto, pensando no que fazer, quandofoguetinho de apostarepente o telefone tocou. Era José Ibrahim. Ele me pediu para descer, pois queria que eu me encontrasse com uma pessoa. Entrei no saguão do hotel e o encontrei com... Amílcar Cabral!

Depois que as apresentações foram feitas, contei a eles toda a história e Amílcar riu muito. Imagine confundir esse líder revolucionário com um agente da CIA! Foi muito engraçado. Nós nos abraçamos e nos tornamos grandes amigos. Lembro que ele me deu um conselho: “Nunca mais diga que você vemfoguetinho de apostaum lugar que não conhece”.

Ele então voltou para Angola e mantivemos contato regular até seu assassinato pelo serviço secreto portuguêsfoguetinho de aposta1973. Passávamos noites inteiras juntos conversando sobre revolução, anticolonialismo, a libertação da África e como poderíamos mudar o mundo. Aprendi a falar cabo-verdiano. Aprendi muitas músicasfoguetinho de apostasua terra natal. Foi um encontro inesquecível.

SL: Fale-nos sobre Luís Cabral, o primeiro presidente da Guiné-Bissau efoguetinho de apostaCabo Verde.

MG: Luís era um jornalista que trabalhava na UPEC. Depois, juntou-se à guerrilha na Guiné-Bissau. Um dia, durante umafoguetinho de apostanossas reuniões, eu lhe disse que ele seria o Presidente da República. Ele riu muito e retrucou: “Vocês brasileiros têm esse hábitofoguetinho de apostasempre tentar prever o futuro”. E acrescentou que, se um dia isso acontecesse, ele me ligaria pouco antes da posse e viria me verfoguetinho de apostaCuba. Na época, a luta anticolonial contra Portugal estavafoguetinho de apostapleno andamento, e as perspectivasfoguetinho de apostalibertação não eram óbvias. Um dia,foguetinho de aposta1973, o telefone tocou e era o Luís. Eu o reconheci imediatamente por seu sotaque. Pensei que ele estivessefoguetinho de apostaHavana e quisesse me ver. Mas ele me disse que estavafoguetinho de apostacasa e que estava prestes a ser nomeado presidente. “Eu mantive minha palavra”, ele me disse. Cercafoguetinho de apostadois anos depois, ele veio a Havana. Eu estavafoguetinho de apostameu apartamento quando Marcello e Eduardo chegaram e me disseram que havia muitos carros pretos do ladofoguetinho de apostafora do prédio. Era o Luís. Passamos várias horas conversando e rindo. Foi um momento extraordinário.
SL: Em Cuba, você também conheceu Rogério Paulo, o grande diretor e fundador do Partido Comunista Português.

MG: Rogério Paulo estava exiladofoguetinho de apostaCuba porque foi perseguido pela ditadurafoguetinho de apostaSalazarfoguetinho de apostaPortugal. Ele se hospedou no mesmo hotel que eu. Ele tinha dois filhos. Sete ou oito anos depois, casei-me com umfoguetinho de apostaseus dois filhos, Rui Ferreira. Lembro que minha mãe era contra nosso casamento. Mas continuamos amigos íntimos até hoje.

SL: Você era membro dos Comitêsfoguetinho de apostaDefesa Revolucionária. Poderia nos contar sobre suas atividades dentro dessa organização?

MG: Os CDRs são organizadosfoguetinho de apostatodos os bairrosfoguetinho de apostaCuba. Eles surgiram no início da décadafoguetinho de aposta1960 como uma resposta aos ataques terroristas orquestrados por oponentes apoiados pela CIA. Dentro dessa estrutura, há um presidente, um coordenadorfoguetinho de apostasaúde e um coordenador ideológico, eleitos a cada ano.

Por muitos anos, fui o coordenadorfoguetinho de apostasaúde do CDRfoguetinho de apostameu bairro. Minha função era verificar se todos os moradores eram vacinados, se as mulheres grávidas eram monitoradas adequadamente e se as pessoas vulneráveis recebiam a atenção e os cuidados necessários. Minha função também era lançar campanhasfoguetinho de apostaprevenção sobre questõesfoguetinho de apostasaúde e proteger os grupos mais vulneráveis. Eu também tinha a funçãofoguetinho de apostaassistente social e psicólogo. Se um morador local descobria que estava sofrendofoguetinho de apostauma doença grave, nós o encaminhávamos para serviços especializados e lhe dávamos apoio moral.

Cuba alcançou a excelência no campo da saúde, com resultados excepcionais para um país do Terceiro Mundo sob sanções econômicas. O modelo baseado na prevenção é o melhor do mundo.

Eu também estava muito envolvidafoguetinho de apostatodas as questões educacionais. Também nos certificamosfoguetinho de apostaque todas as crianças fossem à escola adequadamente e prestamos muita atenção à questão do absenteísmo. De fato, fundei a Escola para pais para conscientizar os adultos sobre as novas formasfoguetinho de apostaeducação. Por exemplo, alguns pais eram violentos com seus filhos, pensando que o castigo corporal fazia parte da educação. Eles próprios haviam sido educados dessa forma. Portanto, tivemos que fazer um grande trabalho educacional para convencê-losfoguetinho de apostaque a violência era traumática e contraproducente. As crianças nascem para serem felizes, como disse José Marti, e a infância deve ser um santuário. Não foi uma tarefa fácil. Foi uma tarefafoguetinho de apostalongo prazo. Hoje, Cuba resolveu esse problema e a educação também tem um padrão muito alto sob todos os pontosfoguetinho de apostavista.

SL: Você também criou a cátedrafoguetinho de apostaportuguês na Universidadefoguetinho de apostaHavana.

MG: Como eu era professorafoguetinho de apostaportuguês, criei essa cátedra, que não existiafoguetinho de apostaCuba. Havia professores da França, da Itália efoguetinho de apostaoutros países que faziam o mesmo com seus respectivos idiomas.

Tenho uma anedota engraçada sobre isso. O tradutor oficial do Comitê Central do Partido Comunista Cubano foi meu aluno. Toda vez que encontro Pulgaron, ele me aplaudefoguetinho de apostapé. Pulgaron é enorme. Ele é ainda mais alto que Fidel. Hoje ele é o intérprete do presidente Miguel Diaz-Canel. Ele é poliglota e fala seis idiomas. Eu o vifoguetinho de apostaminha última visita a Cuba. Havia váriosfoguetinho de apostanós e Pulgaron exclamou: “Miriam é a melhor professora que já tive. Nunca vou me esquecer dela. Sabe por que nunca perdi nenhumafoguetinho de apostasuas aulas? Se você visse as pernas dela!” Como eu era brasileira, usava minissaia com frequência. Foi um momento muito engraçado.

SL: Você também trabalhou na Rádio Havana como locutor.

MG: A locutora portuguesa da Rádio Havana, que era casada com um diplomata cubano, teve um problemafoguetinho de apostasaúde e precisou ficarfoguetinho de apostaconvalescença por seis meses. Então, fui chamada para substituí-la. Eu não tinha experiência nessa área, mas me disseram que era uma tarefa revolucionária. Então aceitei o trabalho e, felizmente, apesarfoguetinho de apostaminha voz não ser adequada ao rádio, tudo deu certo. Assim, fui jornalista por três meses e depois fui substituída. A Rádio Havana era muito popular no norte do Brasil.

SL: Depoisfoguetinho de apostaalguns anos na ilha, algunsfoguetinho de apostaseus amigos decidiram se mudar para a Europa, especialmente para Paris, e pediram que você os seguisse. Por que você optou por ficarfoguetinho de apostaCuba?
MG: Não fazia sentido para mim ir para Paris. Na verdade, eu tinha um grande amigo, Sérgio Lara, que eu conhecia do Brasil, que morava na capital francesa. Ele era assessorfoguetinho de apostaCésar Lattes, um dos maiores físicos nucleares do Brasil. Após o golpefoguetinho de apostaEstado, ele foi morarfoguetinho de apostaParis, onde tinha uma situação profissional muito confortável. Ele entroufoguetinho de apostacontato comigo para pedir que eu o acompanhasse. Ele se comprometeu a pagar a escola para as crianças e me disse que eu poderia estudarfoguetinho de apostaexcelentes condições. Foi uma oferta muito generosa da parte dele, mas eu recusei porque ainda tinha muito a fazerfoguetinho de apostaCuba. Olhando para trás, essa foi uma das melhores decisões que já tomei. Pude fazer muitas coisas na ilha para retribuir um pouco do que Cuba havia me dado. Passei os melhores anosfoguetinho de apostaminha vidafoguetinho de apostaCuba. Eu era muito feliz lá. Meus filhos também eram felizesfoguetinho de apostaCuba. Não havia motivo para deixar a ilha e ir para Paris.
SL: No seu bairro, vivia uma jovem chamada Hilda Guevara, que era filhafoguetinho de apostaChe. Conte-nos sobre o encontrofoguetinho de apostavocês.
MG: Meu filho Marcello tinha cinco anosfoguetinho de apostaidade. Fui buscá-lo na escola e o encontrei sentado nas pernasfoguetinho de apostauma garota que devia ter 17 anos na época. Ele me disse: “Ela é minha amante”. Ficamos amigos e eu não fazia ideiafoguetinho de apostaquem ela era. Pensei que ela fosse uma vizinha. Ela vinha à nossa casa regularmente. De vezfoguetinho de apostaquando, passava a noitefoguetinho de apostanossa casa. Saíamos juntos, mas ela nunca me reveloufoguetinho de apostaverdadeira identidade.

Seis meses depois, ela me convidou para ir àfoguetinho de apostacasa e pediu que eu a perdoasse: “Eu menti para você e quero que me perdoe”. Ela me disse que era filhafoguetinho de apostaChe. Foi um choque para mim, mas escondi minhas emoções na época. Todos nós éramos apaixonados pelo Che. Ela queria que as pessoas a amassem por ela mesma e não como filha do Che.

Nossa amizade se fortaleceu depois disso e ela me apresentou àfoguetinho de apostamãe, Hilda Gadea. Entendi então por que o Che havia se casado com ela, porque ela era uma mulher fantástica. Hildita me mostrou todas as cartas que seu pai havia escrito para ela. Um dia, ela nos disse: “Vamos dormir na cama do meu pai”. Marcello, Eduardo e eu fomos até lá. Todos eles dormiram na cama do Che, mas eu não consegui dormir a noite toda. A emoção era muito forte.

Conheci pessoas maravilhosasfoguetinho de apostaCuba porque as pessoas são muito acessíveis. A revolução aproximou as pessoas. Há uma solidariedade, uma humanidade que une as pessoas.

SL: Quando você conheceu Fidel Castro?

MG: Conheci Fidel pouco depoisfoguetinho de apostachegar a Cuba. Eu tinha um problemafoguetinho de apostatireoide. Fiquei hospitalizada por um tempo. Um dia, após minha remissão, fui ao hospital com o diretor do departamentofoguetinho de apostaendocrinologia. Eu estava com ele esperando o elevador. Havia pessoas atrásfoguetinho de apostanós, mas não prestei atenção nelas. Quando entrei no elevador, fiquei surpreso ao descobrir que era Fidel.

As pessoas que encontram Fidel pela primeira vez sempre ficam muito impressionadas porque ele é uma grande figura.

Fidel me reconheceu e perguntou à pessoa que estava comigo: “É a garota do avião, não é?” Eu não conseguia falar porque a emoção era muito forte. Ele passou a mão na minha cabeça e perguntou: “Por que você está pintando o cabelo?” Tudo o que consegui dizer foi: “Comandante, eu não pinto meu cabelo. É minha cor natural”. Conhecer Fidel é uma experiência muito especial. Imagine estarfoguetinho de apostaum elevador com ele. Depois disso, eu o encontrei várias vezes e tivemos tempo para conversar mais longamente. Falamos sobre Cuba, Brasil e a situação internacional. Como você sabe, Fidel falava sobre tudo. Ele tinha uma inteligência superior e um vasto conhecimentofoguetinho de apostamuitas questões. Você poderia discutir qualquer assunto com ele e ele sempre teria uma resposta. Um dia, eu estava na embaixada mexicana quando o presidente Luis Echeverría visitou a ilhafoguetinho de aposta1975. Fidel colocou seu braçofoguetinho de apostavolta do meu ombro e me fez uma pergunta: “Vejamos, os russos bebem vodca. Os japoneses bebem saquê. Os mexicanos bebem tequila. O que os brasileiros bebem?” Eu respondi: “Não sei lhe dizer, comandante”. Ulises Estrada, um membro do Comitê Central que estava presente, riu e sussurrou para mim: “Diga a ele”. Você deve saber que no Brasil tomamos uma bebida alcoólica chamada “pinga”. Masfoguetinho de apostaCuba, na linguagem popular, esse termo se refere ao sexo masculino. É um palavrão bastante vulgar. Finalmente, diante da insistênciafoguetinho de apostaUlisses, resolvi lhe dizer o nome da nossa bebida. Ele ficou muito divertido.

SL: Falandofoguetinho de apostaFidel Castro, há uma escultura do arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer que adorna uma praça na Universidadefoguetinho de apostaCiências da Computaçãofoguetinho de apostaHavana. Conte-nos sobre a gênese dessa obrafoguetinho de apostaarte.

MG: Oscar Niemeyer havia dado a Fidel uma pequena escultura. Ela representava um enorme dragão lutando contra um homem muito pequeno que carregava uma bandeira cubana. A intenção era decorar uma peçafoguetinho de apostamobília. Fidel gostou muito dela. Um dia, Niemeyer me perguntou se Fidel concordariafoguetinho de apostainstalar a esculturafoguetinho de apostauma praça. Fidel ficou muito entusiasmado. Então, durante semanas, fui o intermediário entre Fidel e Niemeyer, com a ajudafoguetinho de apostaAbel Prieto, que era Ministro da Cultura. Além disso, Niemeyer havia decidido que eu seria o engenheiro-chefe da obra, embora eu não tivesse nenhum conhecimentofoguetinho de apostaarquitetura. Imagine ser o intermediário entre Niemeyer e Fidel! Niemeyer achava que uma esculturafoguetinho de apostaoito metros seria suficiente, mas Fidel queria algo maior. A escultura acabou ficando com 16 metros. Na época, Niemeyer tinha 90 anos e Fidel 80. A praça é magnífica.

A última vez que vi Fidel foi na reunião com intelectuais no Centro do Convençõesfoguetinho de aposta2012.

O retorno ao Brasil

SL: Em agostofoguetinho de aposta1979, o presidente Figueiredo assinou uma leifoguetinho de apostaanistia que permitia o retorno dos exilados políticos ao Brasil. Depoisfoguetinho de apostadez anos vivendofoguetinho de apostaCuba, você finalmente teve a chancefoguetinho de apostaretornar àfoguetinho de apostaterra natal.
MG: Foi o Rui, meu marido na época, quem descobriu meu nome no jornal, na listafoguetinho de apostaanistiados por decreto e que poderiam retornar ao Brasil. Foi um momentofoguetinho de apostagrande alegria. Finalmente poderíamos voltar para casa e ver o Corcovado, o mar e as montanhas novamente. Mas quando chegamos ao aeroporto no Brasil, depoisfoguetinho de apostauma escala no Panamá, nós três fomos separadosfoguetinho de apostaMarcello e Eduardo por várias horas para interrogatório, porque tínhamos acabadofoguetinho de apostachegarfoguetinho de apostaCuba. Eles queriam saber se meus filhos haviam recebido treinamento militar, apesarfoguetinho de apostaserem apenas adolescentes. Um amigo que estava no mesmo voo alertou a imprensa sobre minha presença. Issofoguetinho de apostacerta forma forçou as autoridades a nos libertarem. Pudemos retornar à nossa terra natal.
SL: Lula é novamente presidente do Brasil. Quando você o conheceu e qual é o relacionamentofoguetinho de apostavocês hoje?

MG: Eu o conheci no anofoguetinho de apostaque retornei ao Brasil,foguetinho de aposta1979. Ibrahim, meu ex-marido, foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores. Eu mesma era membro do PT. Eu era coordenadora cultural nacional do PT. Então fui me encontrar com o Ibrahimfoguetinho de apostaSão Paulo e conheci o Lula. Somos amigos desde então.

Participei muito da luta pela liberdade do Lula quando ele foi preso injustamente. Lançamos a campanha “Lula Book”. Sou um dos fundadores do Museu “Lava Jato”, que reúne advogados, jornalistas e historiadores para preservar a memória histórica da injustiça que levou à prisãofoguetinho de apostaum inocente Presidente da República por motivos políticos, com o objetivofoguetinho de apostaimpedi-lofoguetinho de apostaconcorrer às eleições presidenciais. O que foi feito com Lula é indescritível. É um escândalo que vai alémfoguetinho de apostaqualquer compreensão.

Mas Lula saiu fortalecido. Ele estáfoguetinho de apostavolta e vai fazer muito bem ao Brasil. O povo brasileiro sofreu muito com Bolsonaro. Graças a uma grande coalizão, conseguimos ganhar o voto do eleitorado. Lula é um grande líder carismático que quer colocar o povo, os pobres, os que sofrem, no centrofoguetinho de apostaseu projeto.

SL: Qual é afoguetinho de apostarelação com Cuba hoje?

MG: Ainda tenho uma relação muito forte com Cuba e visito o país regularmente com o mesmo prazer renovado. Publico meus livros lá. O espaço dado à cultura é mais importante do que nunca, apesar das dificuldades econômicas e materiais. Tenho muitos amigos lá. Tenho uma paixão infinita pelo povo cubano e nunca esquecerei que eles abriram os braços para mim e me receberam durante um período crítico da minha vida revolucionária.

Tag: marilia-guimaraes

Marília Guimarães: "passei os melhores anosfoguetinho de apostaminha vidafoguetinho de apostaCuba"