Por Rafael Cardoso, repórter da Agência Brasil - “Machadobet siAssis me ensinou como ser um homem negro”. A frase é do escritor e professor Jeferson Tenório, vencedor do Prêmio Jabutibet si2021 com o livro O Avesso da Pele. Dentre os muitos significados que “negro” pode ter, o intelectual contemporâneo recusou os que remetem a lugaresbet siinferioridade. Ébet sise esperar, portanto, que tenha como referência aquele que é considerado o maior escritor brasileirobet sitodos os tempos.
Machadobet siAssis nasceu há exatos 185 anos. Vida e obra sempre geraram debates dos mais variados, o que prova a complexidadebet siambas. Há pelo menos uma década, ganharam proeminência a afirmaçãobet siuma identidade negra e a identificaçãobet sium tipo menos óbviobet siengajamento antirracista. Para pesquisadores negros, é fundamental manter o debatebet sidestaque, por evidenciar questões que ainda têm força no presente.
"Causa espanto quebet si2024 a gente ainda tenha que provar que ele era um escritor negro", afirmou Jeferson Tenório, durante participação no seminário Machadobet siAssis e a questão racial” promovido pela Academia Brasileirabet siLetras (ABL).
Até o momento, não se conhece documento escrito pelo próprio Machadobet sique assuma uma determinada identidade racial. Que ele tenha sido negro é uma premissa dos pesquisadores a partir de, pelo menos, quatro questões: ascendência, fotografias, depoimentosbet siterceiros e contexto sociopolítico.
A mãe era uma mulher branca, portuguesa. O pai, descendentebet siescravos alforriados. Imagens delebet siidade mais avançada, apesarbet siserembet sipreto e branco, mostrariam traços e tons mais próximosbet siuma pele negra. E relatos contemporâneos reforçariam essa característica.
Ana Flávia Magalhães Pinto, historiadora e diretora do Arquivo Nacional, considera como mais emblemático uma carta enviada para Machadobet si1871 pelo escritor Antônio Cândido Gonçalves Crespo. O autor escreve: “A Vossa Excelência já eu conheciabet sinome há bastante tempo. De nome e por uma secreta simpatia que para si me levou quando me disseram que erabet sicor como eu”. Não se sabe se Machado teria respondido a essa questão. Nenhuma carta dele para Crespo foi encontrada.
Para a historiadora, também se destaca a maneira como Machado apoiava frequentemente outros homens negros ou “de cor”, como era mais comum chamar à época os que não eram brancos. O que ela avalia como uma “rede antirracista”.
“Machadobet siAssis, ao longobet sisua trajetória, fez-se um grande apoiadorbet sioutros homensbet sicor como ele. Uma formabet sidesqualificar a posturabet siMachadobet sirelação à ascendência africana, é justamente dizer que ele teria se afastadobet sisuas origens, que não teria se envolvido com os debates acerca dos destinos dos africanos e descendentes no Brasil”, disse a historiadorabet siseminário na ABL. “Encontrei José do Patrocíniobet siseus textos agradecendo a participaçãobet siMachadobet siAssis pelas lutas abolicionistas”.
Ana Flávia diz ser um mito que Machadobet siAssis quis se passar por branco e não se interessou pelos sentidos da liberdade e do racismo, temas que mobilizaram a sociedade à época. A forma como demonstraria esse engajamento, no entanto, não seria a mesma adota por outros nomes que ganharam protagonismo na luta, como o advogado Luís Gama. Haveria diferentes maneirasbet siviver a identidade negra ebet sidefender causas abolicionistas e antirracistas.
“Entre aparentes polos opostos, umbet sidiscrição e outrobet siuma desenvoltura pública desconcertante muitas vezes, nós temos uma infinidadebet sioutras possibilidades que fazem com que tenhamosbet sipensar como que, num país, com uma ampla presençabet sigente negra na liberdade, essas vidas se fizeram possíveis”, disse a historiadora. “Não era preciso esbravejar um orgulho pela origem africana, relembrar parentes presos à escravidão ou ostentar uma pelebet sitombet siazeviche para ser obrigado a lidar com os constrangimentos gerados a partir da raça.”
Paulo Dutra é professorbet siliteratura e pesquisadorbet siquestões raciais na obrabet siMachadobet siAssis. Ele endossa a argumentação da historiadora, no sentidobet sique a luta do escritor no século 19 se davabet sioutra maneira, nas entrelinhas.
“Cada um usa abet siluta da forma como pode. Nem todas as pessoas vão ter essa iniciativabet siir para uma luta mais aberta. A ele tem que ser dado esse direitobet sinão ter podido falar abertamente como outros falaram por várias razões. A culpa dele ter sido branqueado não é dele. É da sociedade brasileira, que ainda almeja um ideal europeu e brancobet sicivilização”, disse o professor à Agência Brasil.
Jeferson Tenório reforça que Machadobet siAssis mostra como pensar a literatura a partirbet sium “devir negro”. A expressão, segundo Tenório, partebet siduas ideias. Primeiro, a recusabet siaceitar os significadosbet si“negro” impostos por um pensamento colonial. Segundo, a aceitaçãobet siser “negro”, mas sob sentidos por aqueles que foram vítimas da racialização. Para Tenório, é na estratégia discretabet siapontar as origens racistasbet siuma sociedade injusta que Machado atua.
“Pensar o devir negro na literatura significa não esquecerbet sionde viemos. Não esquecer que a nossa fundação enquanto país se constituiu a partir do sequestrobet sicorpos negros, da aniquilaçãobet sipovos originários e do roubobet siriquezas naturais. Assim, podemos pensar que Machadobet siAssis nos aponta uma literatura altamente sofisticada e que analisa com precisão as sutilezas da sociedade brasileira. A obrabet siMachado é uma recusa categoria do que se esperabet sium homem negro sob a égide da colonização”, disse Tenório.
Nesse sentido, recuperar Machado a partirbet siidentidades e lutas afrodescendentes têm impactos diretos nos processosbet siautoafirmação da população negra.
“Há pessoas que desejam ser escritoras ao ver que o nosso maior escritor era uma pessoa afrodescendente. Isso produz um impacto social”, analisa Paulo Dutra. “Eu estivebet siuma comunidade do Riobet siJaneiro, a convitebet siuma biblioteca, e Machadobet siAssis está grafitado nos muros. Essa recuperação da imagembet siafrodescendente está levando Machado para um público menos elitizado. Machado saiu do povão e está voltando para o povão”.

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Pesquisadores negros defendem legado antirracistabet siMachadobet siAssis

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