Por Rafael Cardoso, repórter da Agência Brasil - Quem já sofreu pela morteesportes da sorte como funcionaum familiar ou um amigo, já deve ter ouvido a fraseesportes da sorte como funcionaacolhimento: “o tempo ajuda a curar as feridas”. Mas quando o luto está atrelado a um processo criminal sem conclusão, a expressão perde todo o sentido. Para Mirtes Renata Santana, o tempo é sinônimoesportes da sorte como funciona“tortura” e as feridas seguem abertas há quatro anos.
No dia 2esportes da sorte como funcionajunhoesportes da sorte como funciona2020, ela encontrou o filho Miguel Otávio Santana da Silva,esportes da sorte como funciona5 anos, gravemente ferido depoisesportes da sorte como funcionacairesportes da sorte como funcionauma alturaesportes da sorte como funciona35 metros. Ele chegou a ser socorrido, mas faleceu. Mirtes era empregada doméstica e levou o menino para o trabalho porque a creche estava fechada. O período eraesportes da sorte como funcionapandemia da Covid 19 e ela não tinha com quem deixar o filho. O governoesportes da sorte como funcionaPernambuco havia definido que o trabalho doméstico não era essencial, mas Mirtes teveesportes da sorte como funcionamanter a rotina para não perder o emprego.
Ela foi incumbidaesportes da sorte como funcionapassear com o cachorro da patroa Sarí Mariana Costa Gaspar Corte Real, que moravaesportes da sorte como funcionaum prédioesportes da sorte como funcionaluxo no centro do Recife. Sarí ficouesportes da sorte como funcionacasa fazendo as unhas e se responsabilizou por cuidaresportes da sorte como funcionaMiguel. O menino pediu pela mãe, a patroa o colocouesportes da sorte como funcionaum elevador e apertou o botão do nono andar. Sozinho, ele chegouesportes da sorte como funcionauma áreaesportes da sorte como funcionamaquinaria, acessou uma janela e caiu.
Em maioesportes da sorte como funciona2022, Sarí foi condenada a oito anos e meioesportes da sorte como funcionaprisão por abandonoesportes da sorte como funcionaincapaz com resultadoesportes da sorte como funcionamorte. Até hoje respondeesportes da sorte como funcionaliberdade. Mirtes tem lutado durante todo esse tempo para que o caso seja concluído pela Justiça. Segundo palavras da própria, ela adoece sempre que há nova movimentação nos processos e diz que a espera tem sido “massacrante”.
As decisões mais recentes foram desfavoráveis. Há duas semanas, a Justiça do Trabalhoesportes da sorte como funcionaPernambuco reduziuesportes da sorte como funcionaR$ 2 milhões para R$ 1 milhão a indenização que deve ser paga por Sarí e o marido, Sergio Hacker, ex-prefeitoesportes da sorte como funcionaTamandaré, à famíliaesportes da sorte como funcionaMiguel. Em novembro do ano passado, o Tribunalesportes da sorte como funcionaJustiçaesportes da sorte como funcionaPernambuco (TJPE) diminuiu a penaesportes da sorte como funcionaSarí para sete anosesportes da sorte como funcionaprisão. Ainda cabe recurso no TJPE, depois no Superior Tribunalesportes da sorte como funcionaJustiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF).
Hoje, Mirtes divide o tempo entre o trabalhoesportes da sorte como funcionaassessora parlamentar, a faculdadeesportes da sorte como funcionaDireito e a participaçãoesportes da sorte como funcionamovimentos antirracistas. Em entrevista à Agência Brasil, ela disse que, no desenvolvimento político e intelectual pelo qual vem passando, entendeu que tanto a morteesportes da sorte como funcionaMiguel como a demora da conclusão na Justiça têm traços racistas: “porque é o casoesportes da sorte como funcionaum menino preto. Se fosse o casoesportes da sorte como funcionaum menino branco, já tinha sido resolvido”.
Confira a entrevista:
Agência Brasil: Como você recebeu a decisão judicial mais recenteesportes da sorte como funcionareduzir o valor da indenização que deve ser paga por Sarí Corte Real e Sérgio Hacker?
Mirtes: A gente já esperava mais ou menos que fosse diminuir o valor da indenização, mas não bruscamente como foi, praticamente pela metade. Mas era algo que a gente esperava. O valor ficou mais ou menos no teto do que foi indicado na petição inicial e a gente recebeu o acórdão na semana passada. A gente está aguardando, porque é provável que a outra parte recorra. Se eles recorrerem, a gente recorre também. Mas eu recebiesportes da sorte como funcionaforma bem tranquila essa decisão. Eu não estou dando o mesmo foco para esse processo, porque o meu foco maior é o processo penal. E qualquer valor que seja para eles pagarem, que paguem. Porque, infelizmente, essas pessoas só sentem o peso dos seus atos quando mexe no bolso. Se minha mãe e eu temos direito a alguma indenização, que venha. Pode ser o valor que for, mas que venha.
Agência Brasil: Mesmo com a gravidade do que aconteceu, surgem ataques contra você nas redes sociais. E um dos temas explorados é o da indenização. Acusam vocêesportes da sorte como funcionater um interesse maior pelo dinheiro. Como você lida com esse tipoesportes da sorte como funcionaataque?
Mirtes: Essa é uma luta por direitos. Infelizmente, essas pessoas me criticam, questionam muita coisa, mas é algo que cabe a mim por direito. Alguns jornais também colocam títulos tendenciosos e as pessoas não leem o restante do texto, as explicações sobre o que significa o processo. Mas eu estou bem tranquila, nem observo muito esses esportes da sorte como funciona comentários, porque eu estou preservando a minha saúde mental. Eu só sinto muito por elas não procurarem entender o motivo, quais são os direitos, o que está sendo julgado.Não é só a morteesportes da sorte como funcionaMiguel, mas também a questão trabalhista e o lockdown. Porque, no período da pandemia, o trabalhoesportes da sorte como funcionaempregada doméstica não era essencial e eu trabalhei. Fiquei doente, peguei Covid e continuei trabalhando. Tem também a fraude contratual. E muitas empregadas domésticas passam por essa questão da fraude contratual e não denunciam. Muitas pessoas trabalharam no período do “lockdown”esportes da sorte como funcionafunções que não eram essenciais, não denunciaram e acabou ficando por isso. Mas, no meu caso, foi denunciado e eu estou correndo atrás dos meus direitos. E muita gente que passou pela mesma situação e não denunciou, fica me criticando. É muito importante se informar para reagir contra aqueles que se aproveitam dos serviços das pessoasesportes da sorte como funcionaforma ilícita
.Agência Brasil: A única resposta concreta do Estado sobre o caso até agora foi a aprovação da Lei Miguel,esportes da sorte como funcionaagostoesportes da sorte como funciona2020, pelo legislativoesportes da sorte como funcionaPernambuco. Ela determina que criançasesportes da sorte como funcionaaté 12 anos não podem utilizar elevadores desacompanhadasesportes da sorte como funcionaadultos. O que você achou da medida? Teve alguma relevância diante do que aconteceu?
Mirtes: Em parte, sim. Claro que é muito pouco ainda. Mas alteraram a lei, colocaram o nomeesportes da sorte como funcionaMiguel. Se falou muito dela na mídia e ajudou a dar mais visibilidade ao caso. Mas, infelizmente, as violações ocorremesportes da sorte como funcionaequipamentos privados e as pessoas acabam não sendo punidas por uma questãoesportes da sorte como funcionaclasse mesmo. Porque são pessoas brancas e ricas. E as pessoas que administram o condomínio não querem se indispor com o morador que acaba violando a lei. Nos ambientes públicos há vigilância maioresportes da sorte como funcionarelação à lei, mas nos ambientes privados, não.
Agência Brasil: Mães que perdem filhosesportes da sorte como funcionacontextos criminais e lutam por uma solução na justiça costumam ser exaltadas pela força. Nem sempre se destaca como o processo provoca adoecimento mental e físico. De que forma você está sendo impactada por essa longa espera para que haja uma solução definitiva para o caso?
Mirtes: Para mim, é uma tortura muito grande passar quatro anos lutando e ainda não ter resultado. É muito massacrante ter que ficar sempre lembrando do que ocorreu. Eu fico doente toda vez que tem algum processo, que mexem no caso e isso não se resolve logo. Para mim é muito pesado.
A sensação que dá é aesportes da sorte como funcionaimpunidade. Mas eu não vou deixar. Eu vou correr atrás. São quatro anos lutando. Eu não vou parar até que seja resolvido. Pode durar quantos anos tiver que durar. Eu posso me machucar o quanto for, mas eu vou continuar lutando. Porque foi meu filho que morreu. Eu perdi o amor da minha vida. E eu não vou deixar que fique impune esse crime contra o meu filho. Não vou deixar.
Está sendo bem difícil, mas eu não vou desistir. Peço que o Brasil continue nessa luta junto comigo, lembrando sempre do Miguel e pressionando o judiciário pernambucano, para que o caso do meu filho seja resolvido o quanto antes.
Agência Brasil: Você entende que o processo está sendo tratado da forma correta pela justiça? Ou acha que existem fatores específicos que prejudicam o andamento?
Mirtes: O processoesportes da sorte como funcionaMiguel foi o último processo físico do estado e o presidente do TJPE mandou que todos os processos físicos fossem digitalizados. Oesportes da sorte como funcionaMiguel foi digitalizado, mas só que ainda não foi totalmente finalizado, porque ainda faltam as mídias do processo, que são muitas. Fui no tribunal para saber como estava o andamento do processo e ficou tipo um joguinhoesportes da sorte como funcionapingue-pongue. Um jogava para o outro. Eu fui no gabinete do desembargador e disseram que o processo não tinha chegado lá. Ainda estava no gabinete do desembargador relator. Aí, cheguei lá, também não estava lá. Ficou aquele joguinho. Para mim, naquele momento, bateu uma tristeza muito grandeesportes da sorte como funcionasaber que está tendo esse tipoesportes da sorte como funcionatratamento com o processo do meu filho. Eu não sei nem explicar completamente o sentimento que eu tive ali, mas me deixou muito triste.
Minha advogada vai cobrar para que essas mídias sejam incluídas no processo que já foi digitalizado. E que siga, porque ainda precisa do julgamento dos recursos, para depois subir para Brasília. Esse tempo todinho para analisar os recursos que são os embargosesportes da sorte como funcionadeclaração, para depois poder julgar, e ainda não foi feito nada?
Eu vejo também um poucoesportes da sorte como funcionadescaso. E olha que é um crime que tomou uma proporção internacional e ainda não foi resolvido. Enquanto casos parecidos com o do meu filho já foram resolvidos. Um exemplo é o caso do menino Henry Borel, que já prenderam o padrasto e a mãe. E a Sarí? Está solta. Porque é o casoesportes da sorte como funcionaum menino preto. Porque se fosse o casoesportes da sorte como funcionaum menino branco já tinha sido resolvido. É bem nítida mesmo essa questão.
Agência Brasil: Você já falou antes que a perda do Miguel te levou para novos caminhosesportes da sorte como funcionareflexão e militância. Como estão atualmente as conexões com movimentos sociais e com outras mães que passaram por situações semelhantes às suas?
Mirtes: Eu faço parte da ANEPE, a Articulação Negraesportes da sorte como funcionaPernambuco. Ela é vinculada à Coalizão Negra por Direitos, que é nacional e internacional, e a gente vem fazendo esse enfrentamento com relação à violência e ao racismo. Antes da morte do Miguel eu não fazia parteesportes da sorte como funcionamovimento social, só acompanhava na TV a movimentação do pessoal. Às vezes, acompanhava pela internet, mas frequentar e participar desse jeito, não.
Depois que tudo isso aconteceu, algumas pessoas me procuraram e comecei a ter conexões com outras mães. Algumas promovem eventos e eu participo. A gente conversa e se fortalece para continuar na luta. Porque não é fácil, então a gente busca se fortalecer uma na outra. Tem uma mais próxima aquiesportes da sorte como funcionamim, que é a Joelma, mãeesportes da sorte como funcionaMário Andrade, assassinado por um policial. Ela batalhou anos, conseguiu a condenação e a prisão do policial que matou o filho dela. Hoje ela tem um centro chamado Mário Andrade lá no Ibura [bairroesportes da sorte como funcionaRecife] e vem ajudando a comunidade. Eu estou próxima dela. Ajudo no que precisar na comunidade. Falo também com outras mães por mensagens ou pelas redes sociais e a gente vai se fortalecendo, se articulando para poder continuar firme
Agência Brasil: E nesse processo, você entende que teve também um amadurecimento político e social? De pensar sobre questões que passavam despercebidas?
Mirtes: Antes, eu tinha muita noçãoesportes da sorte como funcionaclasse social e do preconceito por ser mulher. Porque eu senti isso na pele quando trabalhavaesportes da sorte como funcionauma área que é majoritariamente masculina, a carpintaria. Eu sofria preconceito por ser mulher carpinteira, tanto nas relaçõesesportes da sorte como funcionatrabalho, quanto na questão salarial mesmo. Não recebia igual aos carpinteiros homens.
Mas sobre a questão do racismoesportes da sorte como funcionasi, eu não tinha noção. E só vim a ter após a morte do meu filho, porque eu passei por um períodoesportes da sorte como funcionaformação política e comecei a entender muitas coisas. Comecei até a refletir sobre o meu passado, as coisas que já aconteceram comigo, os tiposesportes da sorte como funcionaviolência, os preconceitos. E, hojeesportes da sorte como funcionadia, eu tenho uma visão bem crítica mesmo. Quando eu vejo que tem algum tipoesportes da sorte como funcionapreconceito, racismo, sexismo, eu não me calo. Eu falo, eu chamo a atenção. Mas nãoesportes da sorte como funcionauma forma violenta, masesportes da sorte como funcionauma forma pedagógica, para as pessoas entenderem que aquela atitude é errada. Porque violência não leva a lugar nenhum.
Agência Brasil: Nesse contexto, como surgiu a decisãoesportes da sorte como funcionafazer faculdadeesportes da sorte como funcionaDireito? Eesportes da sorte como funcionarelação ao trabalho, você continuou a fazer outros serviços domésticos?
Mirtes: Nem eu, nem a minha mãe continuamos no trabalho doméstico. A gente decidiu que não ia mais trabalhar nessa área. Depois que eu perdi meu filho, eu comecei a trabalharesportes da sorte como funcionaONG. Trabalhei no Grupo Curumim, aqui do Recife, eesportes da sorte como funcionaparceria com a AfroResistance, que é uma organização internacional. Passei dois anos trabalhando para eles. Depois, eu saí e estou trabalhando há um ano como assessora parlamentar da deputada estadual Dani Portela (PSol). Isso está somando muito na minha vida pessoal e profissional. O que eu estou aprendendo na faculdade, consigo colocaresportes da sorte como funcionaprática no trabalho legislativo.
Na faculdadeesportes da sorte como funcionaDireito, já estou no sétimo período. Finalizoesportes da sorte como funcionadezembro do próximo ano. Está sendo bem difícil conciliar com o trabalho e a luta, mas estou conseguindo seguir com a faculdade. Não era o meu sonho cursar Direito. Eu só estou fazendo por uma questãoesportes da sorte como funcionanecessidade. Para entender o processo do meu filho e também para poder ajudar outras pessoas a não passarem pelo que eu venho passando hoje. Então, essa é a minha intenção ao fazer a faculdade. Eu digo que Deus primeiro me deu uma missão: ser mãeesportes da sorte como funcionaMiguel e cuidar dele. E depois que meu filho partiu, a segunda parte da minha missão é, a partir dessa minha formação, poder ajudar outras pessoas.
Pedidosesportes da sorte como funcionaresposta- A Agência Brasil não conseguiu contato com a defesaesportes da sorte como funcionaSarí Corte Real eesportes da sorte como funcionaSérgio Hacker Corte Real, ex-prefeitoesportes da sorte como funcionaTamandaré.
Procurado para comentar as críticasesportes da sorte como funcionaMirtes sobre demora na digitalização do processo, o Tribunalesportes da sorte como funcionaJustiçaesportes da sorte como funcionaPernambuco se limitou a responder que “todos os procedimentos e trâmites legais do caso estão sendo cumpridos”.

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Caso Miguel completa 4 anos sem conclusão: “tortura grande”, diz mãe

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