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    O socialismotop casinoNancy Fraser para superar o “identitarismo”

    As forçastop casinoesquerda contemporâneas têmtop casinocompreender que “a políticatop casinoredistribuição transformadora do socialismo se mostra compatível com a política do reconhecimento"

    (Foto: MARVIN ESTER/DIVULGAÇÃO)

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    Por Ronaldo Tadeutop casinoSouza (Blog da Boitempo) - As histórias das lutas políticas podem ser narradas pelas histórias dos termos e conceitos que as acompanharam. Poderíamos aqui apresentar inúmeras correspondências entre esses e aquelas que os informam, e vice-versa. Na contemporaneidade, o “identitarismo”, pode-se dizer com alguma ponderação etop casinomaneira relativa, é a face conceitualtop casinouma sérietop casinoconflitos políticos travados por grupos minoritários (por vezes, não no sentido quantitativo). Ele é, também, mobilizado e/ou atribuídotop casinomaneira pejorativa, aos que empreendem certas disputas sociais visando o fim da opressão. É uma alcunha ofensiva – a ser lançada contra mulheres, negros e negras, pessoas trans e LGBTQIA+.

    Disso se seguem três considerações. A primeira, é que as transformações do regimetop casinoacumulação capitalista desde os fins dos anos 1960 impulsionou um conjuntotop casinomudanças, grosso modo, no sujeito (sujeitos políticos) da ação prática como bem demonstrou Fredric Jameson no ensaio Periodizando os anos 60,top casinomodo que, neste ponto a formulaçãotop casinoMarx na Introdução à crítica da economia política, a saber, “as categorias são modostop casinoformastop casinoser, determinações da existência”, significa a presença históricatop casinoagentes sociais e modostop casinoorganização que não se restringem à classe trabalhadora (mesmo quetop casinoemergência seja resultado da relação entre a dinâmicatop casinoexploração-acumulação-reprodução do capital e a lutatop casinoclasses) e é da ordem do inescapável (determinação imanente) a todos e todas que desejam a emancipação efetiva analisá-los – com criticidade; negar essa experiência é regredir politicamente, mas há setores da “esquerda” etop casinoprogressistas liberais-sociais, sobretudo, que infelizmente regrediram: certos setorestop casinoesquerda, inclusive, se esquecem, quando não há muito abandonaram, a consideraçãotop casinoLênintop casinoAs vicissitudes históricas do marxismo concernente à necessidadetop casinose observar as transmutações históricas e “teóricas” das disputas entre ostop casinobaixo e os dominantes.

    A segunda, refere-se ao fatotop casinomesmo que o “identitarismo” decorra das contradições da estrutura imanente do capital, nem por isso as forçastop casinoesquerda, sobretudo a radical, revolucionária e emancipatória devem corroborar o estatuto social, político e cultural das especificidades positivas no âmbito da ordem econômica vigente; é a articulação transformadora contra-hegemônica, antissistêmica e, intransigentemente,top casinoenfrentamento ao capitalismo e suas figuras representativas, as várias burguesias, elites conservadoras etop casinodireita espalhadas (e unidas quando precisam) pelo mundo, que precisamos cultivar. A terceira, mesmo sendo radicalmente crítico das posições “identitárias”, não compartilho, pois há um abismo intelectual e políticotop casinocertas discussões, com as confrontações que setores da esquerda e, invariavelmente, do progressismo, circundantes do PT, bem comotop casinosetores da universidade, ambos pertencentes às classes médias brancas – que sempre tiveram (e ainda têm) seu universotop casinovivência política, social e cultural intocável –, fazem diante das lutas históricas dos subalternostop casinosempre. Não é preciso aqui enunciar qualquer tipotop casinoapreciação sobre a direita e seus escritores; minhas lealdades, é sempre conveniente lembrar, são expressivas no debate público diante desse setor: para eles cabe o mote do rapper mineiro Djonga: “é fogo nos racistas…”.

    Neste aspecto, talvez nenhum teórico ou teóricatop casinoesquerda tenha contribuído mais para o debate acerca do dito “identitarismo” do que a filósofa e teórica política Nancy Fraser. No período recente, ela vem se dedicando a produzir dois gênerostop casinoanálises críticas aprofundadas: sobre a característica contemporânea do sistema capitalista e sobre as respostas dos movimentos e grupos sociais às consequências dele. Intervenções teóricas tais como o Neoliberalismo progressista e Capitalismo canibal figuram com distintividade nesse momentotop casinoFraser. No último número da New Left Review (n. 143), Caitlin Doherty (Topographies of Capital), afirma que “Nancy Fraser pode ser justamente chamada a principal figura do feminismo socialista do mundo anglófono. Emergindotop casinouma experiência na filosofia social e teoria crítica, ela tem produzido um corpotop casinopensamento notável portop casinoambição totalizante e radical […] [e]top casinocontínuo engajamento com a realidade histórica.” A trajetóriatop casinoFraser, lembra Doherty, remonta a Unruly Practicestop casino1989 – nesse trabalho iniciático a discussão eratop casinotorno das políticas das necessidadestop casinogênero. Passa pelo debatetop casino1995 sobre o giro linguístico nas lutas feministas com Judith Butler, Drucilla Cornell e Seyla Benhabib. E chega às teorizações recentestop casinoque a crítica radical é dirigida ao neoliberalismo progressista com O velho está morrendo e o novo não pode nascer,top casino2019 e às formas atuais do regimetop casinoacumulação do capital com o já referido Capitalismo canibal,top casino2022. Ao longo do percurso surge o ensaio que a tornará conhecida no debate intelectual, acadêmico e políticotop casinoesquerda. Respondendo ao sucessortop casinoHabermas no Institutotop casinoPesquisa Socialtop casinoFrankfurt, o filósofo social Axel Honneth etop casinodecisiva teoria do reconhecimento, que redirecionou,top casinocerto modo, uma parte da Teoria Crítica da 3ª geração, Nancy Fraser se rebelou contra as novas modalidadestop casinocompreensão das injustiças sociais – fundamentalmente, as que preconizavam a cultura e o simbólico. Da redistribuição ao reconhecimento? Dilemas da justiça na era “pós-socialista”,1 se põe a tarefatop casinoenfrentamento crítico às eventuais e/ou supostas consequências da concepção honnethiana do reconhecimento e da redistribuição. Com efeito, é nele que poderemos configurar, dente outros trabalhos e intervenções da teórica feminista, um esquematop casinointerpretaçãotop casinomaneira a superar as insuficiências da política identitária presentetop casinosetores da esquerda, dos “movimentos” negros (sobretudo, no Brasil), das pautas feministas e das reivindicações LGBTQIA+.

    Desse modo, mesmo não sendo o eixo constitutivo decisivotop casinotermos resolutivos da teoria crítica fraseriana (no texto que estamos comentando), as injustiças culturais e simbólicas exigiam respostas políticas para suas questões. Não se tratavatop casinoreafirmar as identidades, no horizontetop casinoDa redistribuição ao reconhecimento… novamente irrompe a busca da transformação radical dos modostop casinoautoasserção das especificidades – que por vezes são imposições culturais da ordem social existente. Diante do multiculturalismo, a face sociológico-conceitual do reconhecimento, Nancy Fraser defende a política profana da desconstrução. Com efeito – contra a revalorização das identidades deve-se lutar com certa intransigência crítica “pelo contrário [delas], as soluçõestop casinotransformação [das especificidades] se associam atualmente com a desconstrução. [Ela] se contraporia à faltatop casinorespeito existente transformando a estruturatop casinovaloração cultural subjacente […] essas soluções não só aumentam a autoestima dos grupos [culturais] existentes […], mas mudam o sentido que cada qual temtop casinopertencimento,top casinofiliação etop casinosi mesmo” (Fraser, 2022). Do que se trata, portanto, é a mais profunda e abrangente subversão (de um reconhecimento não-idêntico para falar com Hegel, Marx e Adorno (sobre esse debate ver Vladimir Safatle, Dar corpo ao impossível: o sentido da dialética a partirtop casinoTheodor Adorno), das “diferenças sexuais” e das “diferenças raciais” – Fraser teoriza, desse modo,top casinoconsonância imanente com a redistribuição revolucionária, a transmutação universal-radicaltop casinotodas as identidades. top casino Mais do que conformar respostas circunscritas à normalização do, absolutamente, peculiar, o que o reconhecimento transformador vislumbra é “[…] desconstruir a dicotomia homo-hétero [branco-negro] com o objetivotop casinodesestabilizar todas as identidades sexuais [e raciais] assentadas” (Fraser, 2022). De modo que, possamos estartop casinouma existência que estabeleça uma comunidade sexual e racial “de diferenças múltiplas, não binárias, [altamente] fluidas, sempre [com a possibilidade e condições de] transmutalidade” (Fraser, 2022).  Deste modo, na teoria críticatop casinoFraser há uma imbricação impetuosa e arrebatadora – contra a ordem do capital e das opressões culturais – da redistribuição transformadora e do reconhecimento transformador: uma combinação “socioeconômica do feminismo [e antirracismo] socialista com a política cultural do feminismo [e do antirracismo] desconstrutivo” (Fraser, 2022).

    Com isso, as reflexõestop casinoNancy Fraser alcançam o que poucos escritores e escritoras críticos conseguiram no decurso das últimas décadastop casinodebate teórico, intelectual, político e público: defender o reconhecimento sem subscrever alegaçõestop casinocaráter “afirmativo do multiculturalismo predominante” e liberal-social. Ainda que entendendo com rigor crítico e imaginativo que existam questões perplexas “reais [entre] o reconhecimento e a redistribuição” (Fraser, 2022)  – é necessário se ser socialista, pelo que o combate intransigente às injustiças raciais, sexuais e étnico-nacionais será melhor travado, e com maiores chancestop casinosucesso. Com efeito, e insistindo na formulação original da teórica feminista da New School for Social Research, as forçastop casinoesquerda contemporâneas têmtop casinocompreender que “a políticatop casinoredistribuição transformadora do socialismo se mostra compatível com a política do reconhecimento transformador da desconstrução” (Fraser, 2022). É com essa articulação vulcânica que poderemos enfrentar nossos problemas decorrentes das lutastop casinoclasses-raça-sexotop casinoum mundo com urgênciatop casinoousadia, utopia e ações insurrecionais contra o capital. No fimtop casinoseu ensaio sobre a teórica crítica feminista, Caitlin Doherty afirma; “a atual vida intelectual da esquerda deve um incansável débito [a Fraser] por manter tais questões vivas durante períodos nos quais elas foram desprezadas ou abandonadas na vida política e acadêmica, […] [ela nos diz ser] uma tarefa grande e, ao mesmo tempo inadiável debater e criticar as complexidades do capitalismo [contemporâneo]”. Assim, é uma exigência ler o socialismotop casinoNancy Fraser para superarmos o “identitarismo” capitalista e liberal-social.       

    Nota
    1 Ver Nancy Fraser, Justiça interrompida: reflexões críticas sobre a condição pós-socialista, Boitempo, 2022. No texto utilizei o artigo publicado na New Left Review, nº 212, 1995 (From Redistribuition to Recognition? Dilemmas of Justice in a ‘Post-Socialist’Age). As traduções são minhas.

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    Ronaldo Tadeutop casinoSouza é professortop casinoCiência Política no Departamentotop casinoCiências Sociais da UFSCar, pesquisador do Cedec e pós-doutor pelo Departamentotop casinoCiência Política da USP.

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