no final betanosite The Evil Dead foi quando Ash é morto pelo demônio voando para ele. Está
Marcius Cortez (*)
“As coisas não estão no espaço, leitor, as coisas estão é no tempo”. (“O Amanuense Belmiro”, Cyro dos Anjos, 1937).
Atenção, caro leitor/a: Fernando Morais significa fortes emoções. Com licença da palavra, esse mineirim é padeiro espiritual, é o pesquisador espertim que flagra provas concretas e ao escrever tempera a iguaria com aquela pitada que fundiu a cabeça do cineasta Stanley Kubrick logo depoisbetanositeassistir “Pulp Fiction”,betanositeQuentin Tarantino. Ainda nocauteado pelo impacto só conseguiu falar uma palavra para o roteirista Frederic Raphael (“De olhos bem fechados”,1999): “Olhe o ritmo, o ritmo!” Pois é, o moçobetanositeMariana construiu uma continuidade literária que caiu no gosto do leitor e que vende que nem pãozinho quente. Autorbetanositedoze livros, o seu assunto preferido é a terra brasilis. Então indo para os primórdios da nossa formação literária, o professor Antônio Cândido o chamariabetanositenativista. (Só recentemente,betanositeentrevista ao Juca Kfouri, soube que o autorbetanosite“Olga” se declara brasileirista).
Que fique logo claro que o seu intuito não é a erudição. Sua pena opta pela interpretação polida na coragem e na formabetanositeescrever narrativas refinadas servindo-sebetanositeuma característica própria: Fernando Morais se pauta pela fidelidade documentária. Seria errado atribuir seu sucesso ao fato dele ter formação jornalística e ser donobetanositetrês prêmios Esso. Ocorre que o premiado jornalista não arrega e se atira fundobetanositebusca do furo. Tem trazido à tona até altos segredos da segurança nacional como a célebre arriadabetanositecalça do ditador Ernesto Geisel perante as águias do Pentágono. Voltaremos a esse assunto mais adiante, por enquanto, quero chamar a atenção para a evoluçãobetanositeFernando Morais nas operaçõesbetanositeestilo e eis aí o “Lula 1”, carimbandobetanositemaestria no domínio do ritmo.
Não sei se é o casobetanositeetiquetarbetanositeliteratura como engagée, empenhada, comprometida. O autor não pertence a nenhum partido político por prezar a liberdadebetanositefalar o que lhe dá na telha. (É no mínimo desconcertante quando torna público que considera Toninho Malvadeza um ser fascinante). Sua trajetória passa longe do patrulhamento e do proselitismo. De repente incursiona pela toca dos leõesbetanositeCannes ou pelo castelo suíço da alquimia onde morou um tempo para escrever sobre Paulo Coelho (“O Mago”, 2008) e,betanositeseguida, engatou marcha para a terra dos soldados da guerra fria festejando os agentes cubanos infiltrados nos serviçosbetanositesegurança dos Estados Unidos. (“Os últimos soldados da Guerra Fria”, 2011).
Clarice Lispector afirma que criar é correr o riscobetanositechegar à realidade. Fernando Morais teve a oportunidadebetanositepôr esse desafio na prática. A fama e o respeito que conquistou são resultadosbetanositesua visão humanista e libertadora. É impossível separar o timbre individual do seu estilo dabetanositecondiçãobetanositerecordistabetanositevendas. (betanosite Maisbetanosite5 milhõesbetanositeexemplares vendidosbetanositequarenta países, traduzidobetanositedezenasbetanositeidiomas). Convoco mais uma vez o gigante Cyro dos Anjos que assegurava que a escrita é coisa dura que se transformabetanositeafirmaçãobetanositevida. O autorbetanosite“Cem quilosbetanositeouro” (2003) não se julga sociólogo, político ou psicanalista. Então o que ele quer? O avô da bolivariana quer superar etapas, pois ainda vivemos num país carentebetanositenecessidades urgentes e habitado por um povo manipulado pela escravidão capitalista.
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No nervo da vida
Se me pedirem para dizer o que Fernando Morais faz eu diria que ele pesquisa a vida. Seu trabalho se caracteriza pela luta política e sonhos possíveis. O filho do “seu” Morais será lembrado pela eloquênciabetanositeseus sentimentos e por entregar-se ao exercício diário do texto desde o tempobetanosite“foca” batucando naquelas velhas e enormes máquinasbetanositedatilografia até aos diasbetanositehoje enfurnado no seu iglu digital. O “Lula 1” me parece o mais esperançoso dos seus livros. Suas páginas pulsam fé na melhoria da sociedade. A meu ver, o livro é o ápice do seu estilo. Esbanja lógica, coloquialismo, discussão políticabetanositealto nível e informação, muita informação. Ouvi uma pessoa comentando que mergulhou no livro e devorou 447 páginasbetanositeum fôlego só. Não estranhei. O ritmo desliza. Mas cabe uma observação: o autor deve muito a Lula, um dos homens mais inteligentes do Brasil, segundo o economista Antônio Delfim Netto, que também exaltava o ex-presidente por nunca ter cursado a USP.
Tenho cá comigo que a obrabetanositeFernando Morais é uma extensão do nervo da vida. Seus livros são eruditos embetanositeconcepção. Pois não é fácil decifrar a nossa mutante “real politique”. Digo que se tratabetanositeuma obra sentimental. O autor deve muito ao seu irmão Carlos Wagner GomesbetanositeMorais, o melhor texto que conheci e o meu maior amigo com o qual dividi o melhor da vida. Faz sentido citar o homem culto que era Wagner porque alémbetanositeescrever discursos para um certo Deputado Estadual e SecretáriobetanositeCulturabetanositeSão Paulo, Carlinhos era um cinéfilobetanositemão cheia. Nos “filmes”betanositeFernando GomesbetanositeMorais costumam acontecer cenas radicais, entre elas, algumasbetanositeextrema violência protagonizadas pela lei e pelo crime. A referência que me ocorre é a sequência mais porrada do cinema moderno. O leitor pode vê-labetanosite“CãesbetanositeAluguel”, o primeiro filmebetanositeQuentin Tarantino (1992). Trata-sebetanositeuma brutal sessãobetanositetorturas quando um dos assaltantes é preso por um policial que o espanca barbaramente, porém o bandido consegue fugir e num golpebetanositesorte prender o torturador. Aí o jogo se inverte: o criminoso, com requintesbetanositecrueldade, surra o ratobetanositefarda. Vejo a Lava Jato assim. Na minha imaginação, subitamente, Marisa, a segunda esposabetanositeLula, vítimabetanositerepulsiva campanhabetanositeódio, cruza com o tal torturador e é ela quem passa a interrogá-lo. Seguem cenas idênticas ao filme. Ela dança enquanto dá o troco: tapas na cara, puxa-lhe os cabelos até se sentir vingada. Nas chamas do inferno a irracionalidade humana é banal, antesbetanositesair do pesadelo, a mulher do Lula escuta o marido lhe dizendo: “Não é fácil o que sofreu Marisa. E eu quero dizer que a antecipação da morte da Marisa foi por causa da safadeza e da sacanagem que a imprensa e o Ministério Público fizeram contra ela”. Não há entendimento possível quando se lida com as sanhas do Mal. Ou você acha que a hedionda difamação cometida contra Marisa Letícia Lula da Silva se resolveria com uma boa conversa? Seguramente a Lava Jato foi um dos maiores crimes da nossa história, uma eterna vergonha. Orgulho-mebetanositeter escrito esse calvário para Marisa. O culpado desse horror é o país injusto onde vivemos. Portanto que Padim Ciço abençoe meu bornalbetanositepeixeiras, fico fulo da vida porque toda essa infecta patifaria foi armada e executada por uma quadrilhabetanositefardados e togados financiados pela elite nacional e pelo imperialismo internacional.
Durante 581 dias acompanhei os passos dessa gente que veiobetanositetodos os pontos do mapa do Brasil. Eles cumprimentavam o prisioneiro três vezes ao dia, 9h, 14h30 e 19h. “Bom Dia, Presidente. Boa Tarde, Presidente. Boa Noite, Presidente”. Lula não via seus eleitores porque ocupava um canilbetanosite25 metros que as ‘otoridades’ chamavambetanositeEstado MaiorbetanositeCuritiba. Janelas gradeadas e vidro opaco no alto das paredes. Ainda bem que se tratabetanositeuma minoria, mas como são cínicos e canalhas certos juízes, ministros, delegados e milicos.
Quando o autor fala do garoto Lula, sou personagem
Sou um nordestinobetanositeraízes. NascibetanositeJoão Pessoa, me crieibetanositeNatal e me formei no Recife. Graças ao balancê da ciranda e do cantadorbetanositefeira tornei-me um setentonto danadobetanositeesperançoso. Venhobetanositelá donde o menino da Lindu se apareceu. Das selvas dos mandacarus, dos tabuleirosbetanositesol pegando fogo, do amanhecer com o astro-rei já mordendo a nuca. Não tem jeito, caro leitor/a, declaro que meu guia é o imaginário nordestino. Damos risada mesmo quando é preciso meter a peixeira. (Não existe brasileiro mais engraçado do que o cumpádi Ariano Suassuna, lá da Parayba). Aprecio os “causos”betanositeVirgulino, cangaceiro ruim que nem carnebetanositecarniça, mas que se doutoroubetanositeNordeste e ganhou dos comandados do DuquebetanositeCaxias o honroso títulobetanositecapitão do Exército brasileiro só para prender o comunista e assim ver se esse talbetanositePrestes prestava. O Brasil é para quem tem a cabeça no incêndio. A diferença é que eu era menino rico e Lula vivia num miserê lascadobetanositeCaetés, encostadobetanositeGaranhuns donde mestre Vitalino esculpiu meus irmãos paus-de-arara, os retirantes, os camponeses, os seres da natureza, calango, cobra coral, a cadela Baleia e a passarada. Nordestino é povo proseador e se o cába da peste não souber contar causos pra se adivirti tá mais lascado ainda. Descontando uns particulares, é do nosso jeito levar a vida no alto astral, pois precisa serbetanositeferro para não perder a cabeça lidando com a degradante mistura do polígono da seca e mais a maldade dos coronés cachorros da moléstia. Ainda sobre o pernambucano, não há povo que ame tanto o carnaval. Se alguma otoridade cismarbetanositeproibir a frevança, nossa te garanto, é revolução no dia seguinte.
Implico com o Brasil engomadinho trajadobetanositeridículo e fantasiadobetanositealoprado. Dos militares que já tiveram muitas oportunidades, mas que primaram por governosbetanositeabsoluto desamor à pátria, espero o habitual cinismo. Não se tratabetanositeincentivar a desobediência, trata-sebetanositealertar que o batalhão do biscate deve explicações à sociedade civil. Ora, pelos malditos anzóis da infertilidade, torço para que os medalhados dos carnavais passados escutem a voz da história e partam para outra, afinal o comunismobetanositehoje quer mesmo é fazer negócio, senhor! No golpebetanosite64, os golpistas enjaularam gente que estava estudando russo. Muito já se escreveu sobre o ódio que o fascismo nutre pelo conhecimento e cultura. Ler e escrever é como o amor, uma droga pesada. O que me manteve vivo todos esses anos foi minha agonia e minha esperança. Felizmente, o primeiro lugar do “Lula 1” na relação dos lançamentos mais vendidos do anobetanosite2021 lavou a alma. Portanto, salve, salve o Bébé, paibetanositesanto que aparecia para mamãe agarantindo que o marreco vai pagar o pato.
Quando resolvo matar as saudades do lugar donde vim, declamo os versosbetanositeum ex-prefeitobetanositePoço Redondo, Sergipe, onde os sordados mandaram Lampião, Maria Bonita e a cangaceirada para o quinto dos infernos. Em Piranhas, Alagoas, na beira do rio São Francisco, conversei com um véio que dizia ter participado da caçada. Pois ele me agarantiu que prenderam Maria Bonita e depois deram uma gravata na muié, cortando o pescoço com facão tinindobetanositeafiado. No Nordeste a toada é outra, a mundice não tem medo da puliça. Isso logo aparecebetanosite“Vidas Secas”betanositeNelson Pereira dos Santos e Graciliano Ramos. O retirante Fabiano podia ter matado o amarelo, mas teve pena e facilitou a fuga do soldado que se borrou no mato. Então dá licença que vou recitar: “Me chamo Virgulino Ferreira Lampião. Manso como um cordeiro. Bravo como um leão. Trago o mundobetanositereboliço. Tenho a cabeça no trovão”.
Um minutinho para um “causo” que ouvibetanositeum dos admiradores do “rei do cangaço”. Dizem que num diabetanositemaus bofes, Virgulino invadiu uma fazenda e foi logo obrigando todo mundo a tirar a roupa. Nossa, meu santo Deus, aquele bandobetanositepelados morrendobetanositevergonha. Então Lampião berrou que era pra todo mundo começar a dançar. Coitada da tigrada logo se pôs a arrastar as sandáias. Não satisfeito, o Capitão mandou todo mundo enfiar o dedo no cu e chupar. Um cába reclamou: “Danado!”. Aí Virgolino mostrou o punhal e vermeiobetanositeraiva, deu o bote: Danado o quê? Danadobetanositebom, corrigiu o matuto se avexando no xaxado.
Ao avançar no longa-metragem impresso no papel, fui rindo tanto que peço um pequeno intervalo para falar do humor que habita as 447 páginas do livro. A minha favorita é quando Fernando Morais descreve o indefectível José Dilermando, o “Ratinho”, fresador da Ford. O dito Ratinho era conhecido porbetanositevalentia. Baixinho, franzino e criadorbetanositecaso. Numabetanositesuas muitas detenções, Ratinho se recusou a ser conduzido ao camburão por um soldado da PM. “Para me prender tem que vir um cabo! – gritava – Não sou vagabundo para ser preso por soldado!”.
Pessoalmente acredito no teste dos caranguejos. Dizem que certo dia, um pesquisador foi colocando num cesto vários casaisbetanositecaranguejos provenientes da Bahia, Paraíba, Ceará, Pernambuco, Sergipe, Alagoas, Rio Grande do Norte, Piauí. Os crustáceos deviam ficar presos no cesto vinte e quatro horas. Ao acabar a jornada, destamparam o balaio. O primeiro casal a sair era do Ceará. Depois obetanositeSergipe e assim por diante. O último a sair, já tarde da noite, foi o casalbetanositecaranguejosbetanositePernambuco porque ficaram um tempão brigando entre si. Agora, caro leitor, me aresponda adonde nasceu o fresador? Bingo! O peste é pernambucano, sim senhor. E o slogan do Ratinho era enfezado: “O Brasil só vai consertar quando o sangue estiver batendo nas nossas canelas”.
Esta terra é mais minha do que deles
Em 2010 aresolvi flanar por pequenas cidades do Nordeste brasileiro pro mode ver as minhas amadas velhinhas espremidas naqueles ônibus fubica carregando uma porçãobetanositegalinhas que as lindinhas vendiam na feira. A viagem durou o ano todo. Fui conferir in loco o que o governo Lula fez pelo povo da minha terra. Claro fui conferir também o forró, a canjica, o quentão, a alegria do povão. Andeibetanositeônibus, na boleia dos caminhões, no lombo das mulas,betanositecarro alugado,betanositecarrobetanositeboi e tomei centenasbetanositemototáxi, salve os motoqueiros loucos por uma conversa com gente que avivebetanositeSum Paulo. Tenho o coração chorão, a pobreza me aperta o peito. Em Canudos desabei, mas não foi pela penúria, foi pela alma grande da gentebetanositelá. Assim que cheguei me dirigi ao centro e estacionei na praça principal onde vi o que buscava. Minha experiênciabetanositeviajante curioso me empurrou para o primeiro salãobetanositebeleza que apareceu no meu caminho. Salão cheio, ora que maravilha, fiquei a prosear com o pessoalbetanositerosto sorridente e olhos conversadores. A moça bonita disse que no dia seguinte ia ter a procissão dos descendentes dos mortos do Belo MontebetanositeAntônio Conselheiro. Eles ocupam as ruas da cidade cantando as precesbetanositeConselheiro e até os gritosbetanositeguerra. Que belo Brasil existebetanositeCanudos. Fui ficando, fiquei maisbetanositeuma semana. Um dia voltarei a Canudos. Povo antecipador. Na última eleição para Presidente, o Haddad teve 6.890 votos, Jair apenas 954. Canudos possui uma populaçãobetanosite16 mil habitantes. No dia da minha despedida ganhei uma listabetanositelugares onde estava correndo muita fartura e muita festa no céu. Prossegui no meu on the road caipira. AlémbetanositeCanudos, arribei por Piranhas, Paulo Afonso, Serra Talhada, Areia, Buíque, Sapé, CanindébetanositeSão Francisco, Poço Redondo, São Cristóvão, Nova Cruz, Arcoverde, Caruaru, Bezerros, Angicos, Baía Formosa, Caicó, Lajes do Cabugi (Bom dia, Professor Canindé), Ceará Mirim, Floresta, Igarassu, Petrolina, Juazeiro do Norte. Para mim foram dias tão festivos que a toda hora, eu batia no coração exclamando que ver minha gente feliz valeu minha passagem por esse mundo perigosobetanositedefeituoso.
Em Poço Redondo conjuguei o verbo cangaçar. Peguei uma moto, fui costeando o Velho Chico e logo cheguei na pedreira onde atocairam Lampião e seu bando. Eita lugar para se falarbetanositeVirgulino. Metade fala mal, metade meio que disfarçando tece loas ao rei do cangaço. O cordel retrata bonito a festa que houve no céu desses pequenos lugares onde o povo se juntou na fartura e no forró, abrindo os braços e soltando a voz: Lula, viva Lula, salve Lula!
Angicos foi exceção. Gente encantadora, mas me olhava envergonhada. A elite dominante, a família Alves, estava levando escracho. O assassinatobetanositeExpedito Alves, prefeitobetanositeAngicos, galista, amigo do pessoal lábetanositecasa, esculhambara as forças locais. Então eu me enturmei com os jovens universitários, a beleza do pôr-do-sol, o orgulhobetanositeter sido sede dos primeiros cursosbetanositealfabetizaçãobetanositeadultos do método Paulo Freire, porém logo chegou a horabetanositeseguir viagem. Comparado a maioria das pequenas cidadesbetanositevezbetanositefesta, o angicano piscava luz baixa.
Fernando Morais e Lula combinaram o jogo. Depoisbetanositevirar a última página do livro ficou para mim a alegriabetanositever biógrafo e biografado rumo à estação esperança. A rigor quem não mudabetanositeestação é o Brasil. Permanecemos o país da dependência e do atraso, recuamos para o ralo entupidobetanositecolonialismo. Escrevo essas linhasbetanositeconcordância com o diagnóstico estampado no livro. A ideiabetanositeLula é libertar-se da tutela do imperialismo. Olhei para o horizonte e vi um fachobetanositesoberania brilhando nas águas do Velho Chico. Para mim, o autor pegou o melhor Lula que existe: o Lula do isopor na cabeça durante o piquenique com a patroa, noras, fios e fias. Meu estimado José Roberto Filippelli, ex-diretor internacional da Rede Globo, mandou fazer uma ampliação gigante e entronizou o cartaz numa das paredes do apartamento onde morabetanositeSão Paulo.
Fernando Morais deu casa e comida ao pernambucano que foi duas vezes Presidente. Naquelas 477 páginas mora o maior líder da História do país. O autor capta flagrantes que demonstram que no meio do povo, a grandezabetanositeLula se agiganta. Cito um momento especial. No dia que Lula estava deixando a prisão ele foi se despedindobetanositetodo mundo. “Ô Paranaguá, tira essa merda do rosto, rapaz! Quero verbetanositecara! Ô Polaco, obrigado por tudo! Adeus, fulano, muito obrigado! Tchau, sicrano, fique com Deus e dê um abraço na patroa”. Ora, cara leitora, os carcereiros e os agentes policiais até que tentaram, mas não conseguiram esconder o chororô.
Viver é muito perigoso sim. Mas “quando tudo for escuro/ e nada iluminar/ quando tudo for incerto/ e você só duvidar.../ É horabetanositerecomeçar/ recomece a ACREDITAR”. Trago aqui o jovem Bráulio Bessa, poeta e cordelista lá do Alto Santo, do Ceará. O nordestino é antesbetanositetudo um forte, quem disse essa verdade foi Euclides da Cunha na obra-prima chamada “Os Sertões”. Que forte seja também o Brasil ambicionado pelos simpatizantes da ideologia onírico-dialética, não é mesmo caro Fernando?
Finalizando esse capítulobetanositetestagem da popularidade do Lula, vivi um episódio artístico na terra do Padim Ciço, Juazeiro do Norte, Ceará. Tava na mão um endereçobetanositeum atelier onde uma galera pintara cartazes retratando Padim e Luiz Inácio. Pela Nossa Senhora da minha barba branca era como se eu estivesse no Museu do Vaticanobetanositetranse estético. Era como se Lula e o padre milagreiro do Cariri fabricassem a felicidadebetanositesérie para os bailarinos do forró.
Paulo freire leu a mãobetanositelula
Certa vez escrevi sobre o patrono da educação brasileira: “Paulo Freire era uma personalidade calorosa, temperada pelo valor das emoções mais verdadeiras, um cara sensível e bem-humorado. Ele era o líder inconteste da equipe do ServiçobetanositeEducação Cultural da Universidade do Recife – o SEC – da qual eu fazia parte aos dezessete anos durante o períodobetanosite1961 até marçobetanosite1964” (“O Golpe na Alma”, pg.13, Pé-de-Chinelo Editorial, São Paulo, 2008).
Certa vez li sobre a importância do sindicato na vida do ex-presidente Lula: “Aqui foi minha escola. Aqui eu aprendi sociologia, aprendi economia, aprendi física, química. E aqui aprendi a fazer muita política, porque no tempo que eu era presidente deste sindicato, as fábricas tinham 140 mil professores que me ensinaram como fazer as coisas. (“Lula 1” pg.58, Companhia das Letras, 2021).
O que mais me impressionavabetanositePaulo Freire era seu envolvimento com o futuro e com a esperançabetanositerelação à aplicação do seu sistemabetanositeeducação para adultos. Paulo sonhava que um dia ainda viveria num país onde todos lessem livros e poemas. Em 1961, o professor tinha 40 anos. A primeira imagem que me vem à lembrança é a foto do Paulo pela lente do fotógrafo Ajax Pereira: o cigarrinho na mão e aquelabetanositeexpressão pensativa que transmitia amável empatia. Partilho do valor que o gigante Cyro dos Anjos dava ao tempo. Me sinto à vontade para alimentar a ilusãobetanositeque Paulo está entre nós. E digo mais: prolongo esse sonho acrescentando na cena, outro pernambucano. Certamente Lula assinaria embaixo quando Paulo proclamou seu credo: “A vida nabetanositetotalidade me ensinou como grande lição que é impossível assumi-la sem risco. E é assim que eu vivo”.
Tive a sortebetanositefazer a última entrevistabetanositePaulo antes dele partir para o exílio. Foi para o programa “CampanhabetanositeAlfabetização” que eu redigia e apresentava na Rádio Universitária, um dos braços do ServiçobetanositeExtensão Cultural cujo diretor era o Professor Doutor Paulo Freire, como dizia o assistente administrativo Plácido MendesbetanositeLima, figura ímpar das proezas paulofreirianas. Claro que estou influenciado pelo coração, porém a cada dia que passa mais ganha força dentrobetanositemim a miragem que Paulo Freire e Luiz Inácio Lula da Silva são a mesma pessoa.
Escrevo este texto com muita saudade. Hoje é 19betanositejaneirobetanosite2022, aniversáriobetanositeum dos meus netos. Não tenho a menor ideia do que pode acontecer. Previsão é tolice, o mineiro Tancredo Neves dizia que política é como bumbumbetanositenenê. A entrevista com Paulo foi pouco antes do 31betanositemarçobetanosite1964, no auditório do SEC, na Rua Gervásio Pires, bem pertinho do quartel do IV Exército onde foi humilhado já que a tática dos golpistas consistiabetanositeprender e soltar, prender e soltar. Esse pesadelo foi tão perturbador que Elza Freire me jurou que seu marido haveriabetanositepartir para o exílio nem que fosse vestidobetanositebaiana. Durante a entrevista, Paulo fumou muito. O golpe já estava escancarado. Quando acabou a gravação, ele pediu para Hugo Martins, o técnicobetanositesom, passarbetanositenovo a fita. Enquanto fumava, escutava suas respostas atentamente. Paulo nos abraçou e perguntou a nossa opinião. Nós também o abraçamos. Ele nos acenou com a mão e saiu bruscamente. O professor doutor preferiu que Hugo e eu não o víssemos chorando.
Do Recife eu não me separo. Viajava para lá com relativa frequência, porémbetanositetemposbetanositepandemia preferi me recolher no isolamento do sítio das cachoeiras. Outrora,betanositecerta viagem à terrinha, o avião fez escalabetanositeBrasília onde embarcou uma dúziabetanositepolíticos, entre eles, o ex-vice-Presidente Marco Maciel. Quando a aeronave se aproximava do Recife, me levantei do banco do fundo e fazendobetanositeconta que estava falando ao microfone soltei a voz: “Marco Maciel é da Arena, Marco Maciel é da Arena”. Estimado leitor/a, o avião bombou numa interminável gargalhada. Claro, como o Brasil é uma pocilga medieval fui agredidobetanositeterra. Os assessoresbetanositeMarco Maciel foram logo tirando meus óculos e um deles armou um soco. Mas para minha sorte surgiu o pessoal do “deixa disso”. Nessa mesma viagem encontrei uma amigabetanositevelhas lutas. Ela trabalhara no MovimentobetanositeCultura Popular e na época se distinguia por seu radicalismo. Lembro que enchemos a cara bebendo potes do saboroso leite maltado no Recife Antigo. (Falam que a receita é coisa do Pernambuco Holandês). Na hora da despedida, ela deu uma bela risada e me falou ao pé do ouvido: “Marcius, pouca coisa mudou, pouca coisa mudou”. Em parte, ela tem razão. Soltando a imaginação vejo Paulo lendo a mãobetanositeLula. Isso era uma visão, claro. Mas também era uma nova lição do patrono da educação brasileira. Paulo nos dizia que o mais importante é conhecer essa realidade que é, simplesmente a vida.