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Repórter Brasil - "O que as crianças e os adolescentes estão aprendendo que vai ser bom para o mundo do trabalho?”, perguntou Christian Lohbauer, vice-presidente da associação De Olho No Material Escolar, a uma plateiagoalbet apkpolíticos e empresários reunidos na capital paulista, no iníciogoalbet apkoutubro. Ele discursava durante evento do Lide, grupo criado pelo ex-governadorgoalbet apkSão Paulo, João Dória.
“Ela não pode aprender, todos os dias,goalbet apktodos os materiais, há 30 anos, que tem trabalho escravo na cana-de-açúcar. Ela não pode aprender que o alimento brasileiro está envenenado com agrotóxicos. Ela não pode aprender que a pecuária é responsável pela destruição da Amazônia, porque não é verdade”, o próprio Lohbauer respondeu.
Cientista político e um dos fundadores do Partido Novo, ele lidera uma organização que se apresenta como um grupogoalbet apkpais e mães apartidários preocupados com o ensino dos filhos. Na prática, porém, trata-segoalbet apkum movimento financiado por empresas do agronegócio com um objetivo: alterar materiais didáticos para retratar o setorgoalbet apkforma mais positiva.
Com apenas três anos, a De Olho No Material Escolar, conhecida como Donme, cresceu e vem ganhando espaçogoalbet apkinstituições públicas. Já fechou parceria com a Universidadegoalbet apkSão Paulo (USP), tem portas abertas nas secretariasgoalbet apkEducação egoalbet apkAgricultura do estado e mantém diálogos com a cúpula do Congresso,goalbet apkBrasília, na tentativagoalbet apkinfluenciar o novo Plano Nacionalgoalbet apkEducação (PNE) – que vai estabelecer as diretrizes da educação na próxima década.
No entanto, segundo dados da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), o Brasil lidera com folga o rankinggoalbet apkconsumogoalbet apkpesticidas, quando considerados os dez países com as maiores áreasgoalbet apklavoura no mundo. A média aqui égoalbet apkmaisgoalbet apk12 kg aplicados por hectare. Na sequência estão Indonésia (6,5 kg/ha), Argentina (5,9 kg/ha) e Estados Unidos (3 kg/ha).
Especialistasgoalbet apkeducação pública ouvidos pela Repórter Brasil classificam a organização como uma versão atualizada do “Escola Sem Partido”, que há uma década passou a fiscalizar o material didático e promover perseguições a professores para impedir uma suposta “doutrinação ideológica” nas escolas.
Para o professor da pós-graduaçãogoalbet apkEducação da Universidade Federal Rural do Riogoalbet apkJaneiro (UFRRJ) Rodrigo Lamosa, que pesquisa políticas públicasgoalbet apkeducação, o posicionamento da organização é, muitas vezes, “absolutamente ideológico e nada científico”.
Ela faz partegoalbet apkuma família influente no agronegócio, com empresas e fazendasgoalbet apkSão Paulo e Goiás, nos ramosgoalbet apkpecuária, cana-de-açúcar e soja. Letícia é considerada uma das mulheres mais poderosas do agro pela revista Forbes, juntamente com agoalbet apksogra, Helen Jacintho. Também fundadora da Donme, Helen é membro do Conselho Superior do Agronegócio da Federação das Indústrias do Estadogoalbet apkSão Paulo (Fiesp).
Em três anos, a organização conquistou associadosgoalbet apk17 estados e 129 cidades. Entre suas ações, a entidade realiza palestras, treinamentos e análisegoalbet apkmateriais escolares. Organiza reuniões com editorasgoalbet apklivros didáticos, alémgoalbet apkexcursões a feiras do agronegócio para alunos, professores e profissionais das editoras. Atua também no lobbygoalbet apkBrasília.
Apenas neste ano, a organização já se reuniu pelo menos duas vezes com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), para debater o Plano Nacionalgoalbet apkEducação (PNE). O documento deve ser votadogoalbet apk2025, com validade para os próximos dez anos.
O documentogoalbet apkreferência do plano, divulgadogoalbet apkdezembro, foi alvogoalbet apkcríticas da De Olho No Material. A associação diz que a proposta é pouco plural, carecegoalbet apk“base técnico-científica na abordagem do conteúdo” e apresenta “postura refratária à iniciativa privada”.
O PNE, porém, só deve avançar quando for analisado o requerimento do deputado federal Rafael Brito (MDB-AL) egoalbet apkoutros 13 parlamentares, para que seja criada uma comissão mistagoalbet apkanálise do plano, composta por deputados e senadores. Desde julho o pedido está parado na Câmara.
Para a coordenadora da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda, a Donme está atuando junto com a bancada ruralistagoalbet apktorno do novo PNE, e pode impedir avançosgoalbet apktemas como as mudanças climáticas.
Procurada, a De Olho No Material Escolar dissegoalbet apknota que trabalha para a melhoria da qualidade do conteúdo didático sobre o agronegócio oferecido às escolas, independentemente do tema. “Nosso principal ponto é que a ciência esteja presente nos livros didáticos com dados e informações técnicas e reais, por isso a parceria com institutosgoalbet apkpesquisas e instituiçõesgoalbet apkensino especializadas no setor”. Leia a resposta completa.
Movimento influencia escolas particulares
Embora já tenha alcançado a cúpula do Congresso, o movimento teve início com uma simples carta enviada a uma escola particulargoalbet apkBarretos, interiorgoalbet apkSão Paulo.
Letícia Jacintho e outros pais escreveram para um colégio na cidade que utilizava o material didático do sistema Anglo, para criticar como temas como desmatamento e povos indígenas eram abordados. Segundo a carta, “as crianças são incentivadas a manifestar piedade aos índios e repudiar a cultura da cana-de-açúcar [por retirar as terras dos indígenas]”.
Página enviada pelo grupogoalbet apkpais questionando a abordagem do livro didático. (Foto: Reprodução)
O protesto viralizou quando o agrônomo e político Xico Graziano, ex-secretáriogoalbet apkMeio Ambiente no governogoalbet apkJosé Serra e voz influente no agro, divulgou a história. “Tem coisa errada [nos livros], tem coisa doutrinária, esquerda, esquerdismo”, disse Graziano.
Na carta ao Anglo, os pais afirmavam que a realidade do campo é “totalmente” diversa da retratada nos livros. “A cana-de-açúcar é responsável por uma parcela importantíssimagoalbet apknossos empregos e renda”, escreveram.
Após o episódio, Letícia decidiu realizar um estudo sobre materiais didáticos, mas faltava o financiamento. Foi quando entrougoalbet apkcena a Croplife Brasil, associação das fabricantesgoalbet apkagrotóxicos, que era então presidida por Christian Lohbauer.
“A gente [Croplife] foi um dos principais financiadores do estudo, junto com todo um pessoal que eu ajudei a angariar das associações do agro. A pecuária, os exportadoresgoalbet apkcarne, os exportadoresgoalbet apkfrango e suínos, açúcar e etanol, que são setores muito afetados [pelos livros escolares]”, lembrou Lohbauer em uma entrevista recente.
Em janeirogoalbet apk2023, Lohbauer deixou a presidência da Croplife para embarcar na Donme. Chamadogoalbet apk“professor”, o executivo passou boa parte da carreiragoalbet apkempresas, como a Bayer, e associações ligadas ao agronegócio, como a Abag. Ainda foi candidato a vice-presidente do Brasil pelo partido Novogoalbet apk2018.
Ele também é comentarista da Brasil Paralelo, produtora conhecida pela veiculaçãogoalbet apkconteúdo audiovisualgoalbet apkextrema-direita,goalbet apkum programa ao lado do deputado federal Luiz Philippegoalbet apkOrleans e Bragança (PL-SP).
O estudo financiado pela Croplife – o mesmo apresentado pelo deputado Nikolas Ferreira à FPA – identificou que a maior parte das menções ao agrogoalbet apk94 livros didáticos tinham tom negativo. Um dos exemplos apresentados é um poemagoalbet apk1991goalbet apkFerreira Gullar, que trata das condições precárias dos trabalhadoresgoalbet apkcana-de-açúcar. Os resultados da pesquisa são utilizados pela associaçãogoalbet apkpalestras, entrevistas e no lobby.
O discurso da Donme sensibilizou ao menos um representante do sistema Anglo, Mario Ghio, ex-presidente e atual conselheiro da Somos Educação, dona das marcas Anglo, Mackenzie, Ática e Saraiva. Ele se lembrou da cartagoalbet apkLetícia durante o evento do Lide neste mês.
“A gente se conheceu num momento duro, a Letícia veio me dar uma ‘paulada na cabeça’. Ela veio me criticar, e eu falei: ‘você tem razão’. Nós temos autores metropolitanos que viveram uma vida urbana e que acham que o mundo agropecuário é o Jeca Tatu do Monteiro Lobato ou é o destruidor da Amazônia, que eles leemgoalbet apkalguns meiosgoalbet apkcomunicação. A gente precisou reconhecer o problema, andar pra trás, educar todo mundo”, declarou.
Atualmente, a Somos Educação mantém parcerias com a Donme para a elaboraçãogoalbet apkvídeoaulas e treinamento para autores e editores. A reportagem não conseguiu confirmar se o material do sistema Anglo é alterado sob orientação da Donme.
Questionada, a Somos Educação declarou que “todo o material didático é atualizado anualmente, seguindo as orientações curriculares do Ministério da Educação (Base Nacional Comum Curricular e Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental), com todo o rigor técnico-pedagógico”. “A Somos Educação se pauta pela pluralidadegoalbet apkideias e busca manter seus materiaisgoalbet apkconstante atualização”, finalizou.
Parceria com a USP e aproximação do governogoalbet apkSP
Não foi apenas o Anglo que abriu as portas para a De Olho No Material. Em Piracicaba (SP), a Escola Superiorgoalbet apkAgricultura Luizgoalbet apkQueiroz (Esalq), da USP, decidiu colocargoalbet apkprodução acadêmica à disposição da associaçãogoalbet apkum projetogoalbet apkdivulgação científica.
Assim nasceugoalbet apk2022 a “Agroteca”, uma biblioteca virtual com conteúdo do agronegócio. No repositório, porém, não há menções a fatos como a responsabilidade do agronegócio por queimadas ou desmatamento.
Procurada, a Esalq não respondeu aos questionamentos enviados pela reportagem.
O governo paulista também abriu as portas para a Donme. “O primeiro estado que passou a adaptar os seus materiais próprios, os escritos, até por orientação do [ex-governador João] Dória, foi o estadogoalbet apkSão Paulo junto com o movimento De Olho No Material, justamente porque a gente concorda que não dá para demonizar aquilo que nos sustenta”, declarou no evento do Lide o ex-secretáriogoalbet apkeducação do estado, Rossieli Soares. Ele já foi secretáriogoalbet apkEducação do Amazonas, ministro da Educação do governo Michel Temer e é o atual chefe da pasta no Pará.
A Repórter Brasil questionou a secretariagoalbet apkeducação paulista sobre mudanças no material didático e parcerias envolvendo a Donme, mas não houve retorno. Já a Donme declarou que não tem qualquer acordo com o governogoalbet apkSão Paulo, apesargoalbet apkagoalbet apkpresidente já ter ditogoalbet apkentrevista recente que está negociando com a pasta um treinamento para professores, que se chamará “Mestres do Agro”.
A Secretariagoalbet apkAgricultura do estado também recebeu a Donme este ano,goalbet apkreuniãogoalbet apkfevereiro sobre materiais escolares. “Precisamos promover conteúdos com embasamento científico e vivência real para os jovens brasileiros”, afirmou após o encontro o secretário da agricultura Guilherme Piai, que também vemgoalbet apkuma famíliagoalbet apkprodutores rurais.
Em setembro, a secretaria anunciou a criação do programa Agro Jovem, “que prevê políticas públicas para integrar as novas gerações ao campo”, iniciativa celebrada pela De Olho No Material.
Para Lamosa, a Donme utiliza-segoalbet apkuma estratégia ideológicagoalbet apkdisputagoalbet apkespaço ao criar campanhas afirmando que os livros didáticos e a escola estãogoalbet apkcostas para o agronegócio. “É uma falácia dizer que o agro não está dentro da escola. Todas as pesquisas sobre ações que eles vêm produzindo [dentro e fora da escola] mostram que eles estão lá. A questão é que eles querem o monopólio da escola”, finaliza.
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