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“Para o bem do Brasil, o lulismo não pode acabar nunca”, diz Mujica ao Brasil emcasa no Uruguai

Ex-presidente uruguaio concedeu entrevista histórica ao Brasil. Confira

Luiz Inácio Lula da Silva e José Pepe Mujica (Foto: Ricardo Stuckert)

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Por Marcia Carmo, correspondente do BrasilBuenos Aires – O ex-presidente do Uruguai José ‘Pepe’ Mujica entende que o lulismo é necessário para o presente e para o futuro do Brasil. E que é preciso cuidá-lo para o bemtodos os brasileiros. 

“É preciso que se transforme o lulismoum pensamentolongo prazo. Porque essa é uma batalha muito longa, que vai além da vida do Lula”, disse Mujica durante entrevista exclusiva ao canal Brasil, na cozinha dacasaMontevidéu. Amigo do presidente Lula, com quem costuma conversar, Mujica acredita que as políticas sociais do governo brasileiro são essenciais para o combate à desigualdade social brasileira. E, navisão, Lula é o que chamou“forasérie”. 

“Lula representa o Brasil relegado, ferido racialmente, desprezado, o nordeste, os negros... É por isso que o nordeste vota nele desse jeito”, disse, diante da nossa câmera.

Por isso, para o ex-presidente uruguaio, o lulismo não pode ser interrompido. “A força (política e participativa)uma organização precisauma coluna vertebral. Estas propostas não podem ficar pelo caminho”, disse.

Mujica recebeu a reportagem do Brasil emchácara, numa área rural a 35 quilômetros do aeroportoMontevidéu. O encontro foi na sexta-feira, 25abril, um dia anteso ex-presidente ser diagnosticado com um tumor maligno no esôfago. No dia da entrevista, Pepe Mujica não imaginava o que o esperava no dia seguinte. Estava entusiasmado ao falar sobre o Brasil, o mundo e sobreprópria vida, que já virou filmes e livros.

Tudo o que Mujica diz transmite sabedoria. Para ele, por exemplo, a América Latina deveria mudarnome e se chamar ‘Continente Amazônico’, porque tudo o que acontece na Amazônia afeta o planeta e, além disso, recordou América Latina foi um nome imposto pelos colonizadores, excluindo os indigenas e os escravizados. E que a situação na Venezuela ocorre porque ela é rica demaispetróleo e sofre pressões externas. Ele está preocupado com a eleição presidencial do dia 28julho.

Mujica falou sobre a vida e sobre a morte – jamaistom dramático e lembrando que tem 89 anos (que fará no dia 20 deste mêsmaio). Mujica só alterou o tom da voz quando falou sobre o ex-presidente Bolsonaro. “Vejo Bolsonaro como um personagem perigoso, mas também meio louco. Por quê? Por coisas tão malucas como dizer… estavam enterrando gente aos montes, e ele diz que é 'uma gripezinha'. Merda. Dianteuma evidência que salta aos olhos, ele diz que é ‘uma gripezinha’. Essas não são coisasdireita ouesquerda, são coisas...Havia uma evidência que saltava aos olhos. Eles estavam cavando buracos com pás mecânicas para enterrar pessoas.” Para ele, os que ainda apoiam o ex-presidente e formam o bolsonarismo refletem os efeitos das notícias falsas. “Tem gente que se confunde e também porque o nosso tempo é muito dominado pela mídia... etanto martelar, as informações falsas conseguem penetrar. É o que Goebbels disse, uma mentira repetida milharesvezes, é verdade. Ela não apenas entra, mas fica incrustada. Então tem gente que fala ‘Lula é ladrão’ e isso e aquilo, mesmo que os fatos mostrem o contrário, mas não tem jeito”, disse Mujica na entrevista exclusiva ao Brasil.

A cozinha da casaMujica e dacompanheira, a ex-vice-presidente e ex-senadora Lucía Topolansky, tem as paredes cobertaslivros, com espaço para as compotastomate, que ele gostacozinhar e que aprendeu a fazer com a mãe dele, e uma caixamadeira, que ganhou com charutosFidel Castro. Mujica guarda os cadernos escritos a mão que ganhou do ex-guerrilheiro Ernesto ‘Che’Guevara. São os tesouros do ex-presidente.

“O senhor passou 12 anos na prisão, incluindo anos na solitária, foi senador, ministro, presidente. Como o senhor se define?” Mujica reflete antesnos responder. “Eu, filosoficamente, sou muito antigo. Eu sou um estóico”. Por que? “O estoicismo é uma filosofia muito antiga, começou antesCristo. É algo muito antigo. Para mim, a pessoa pobre é aquela que precisamuita coisa. Porque se alguém precisamuita coisa, nada é suficiente. Ou, pobre é, como dizem os aimarás, aquele que não tem comunidade, aquele que está sozinho no mundo. Eu tenho muitos companheiros, eu não sou pobre. A pobreza não é material, é outra coisa. Meu sentidovida é viver com muita sobriedade. Com o necessário para viver. Só isso, é só disso que eu preciso. Nada mais”.

Citei o fatoMilei ser admirador do empresário Elon Musk eque Bolsonaro o defendeuum discurso recente na praiaCopacabana. “Claro, a liberdadeMusk! Um homem que se dá ao luxoorganizar foguetes para ir à estratosfera observar... Claro, é a liberdade do grande capital para fazer o que quiser e organizar o que quiser. E poder organizar esse desperdício brutal sem se importar com o que acontece com os seres humanoscarne e osso. E aquelesnós que pensam que o Estado deve procurar ajudar a equilibrar as coisas que o mercado não consegue resolver, porque não podemos pedir ao mercado que tenha piedade dos idosos destroçados ou das crianças abandonadas porque isso não é negócio! Mas como somos humanos, não podemos cruzar os braços e deixá-los pelo caminho. Porque eles são seres humanos.” Para Mujica, estão faltando solidariedade e colaboração entre as pessoas. Que esse é o sentido da vida. E a esquerda conhece bem esses princípios e é com eles que poderá enfrentar o desafio do crescimento da extrema-direita no mundo.

“A esquerda precisa reconstruir o seu arsenalideias. A esquerda precisa levarconta as contribuições da neurociência, as novas descobertas. É verdade que a concorrência multiplica as opções. Mas,última análise, o que mais multiplica o progresso é a colaboração. Não, não, querem nos colocarum mundo onde a única coisa que existe é que eu compito contra você e você contra mim. Mas na humanidade nós temos problemas que estão pedindo colaboração.”

Quando Mujica foi presidente (2010-2015), o Uruguai foi o primeiro país do mundo a autorizar o consumo recreativo da maconha e foi autorizada a abertura para a plantação e produçãocannabis para uso medicinal. Ele acha que hoje é preciso ir além dessas iniciativas. 

“Eu penso muito mais longe. Acho que temos dois problemas: temos o consumodrogas que acaba sendo uma doença, mas como é uma coisa clandestina e perseguida está nas mãos do narcotráfico, e como é um monopólio a favor dos audazes, produz um taxalucro que acaba corrompendo tudo. E a humanidade vem reprimindo há cinquenta anos, e nós fracassamos e fracassamos. O que eu acho é que essas coisas deveriam ser tratadas pelo Estado. O serviço público tem que abastecer quem quer consumir, mas deve controlar o que é consumido. Por quê? Porque aqui existe um problemaquantidade. Se eu tomar um ou dois uísques todos os dias, pode não me fazer bem, mas é suportável. Agora, se eu beber uma garrafa todos os dias, serei um alcoólatra, portanto,sou uma pessoa doente, e se eu for uma pessoa doente, tenho que ser tratado, o Estado tem que me tratar, mas para isso ele tem que me tratar a tempo! Como o Estado pode me tratar a tempo se ele não sabe o que eu estou consumindo? E a formaderrotar o tráficodrogas é deixá-lo sem mercado. Porque senão é um monopólio a favor dos audazes ​​com uma taxalucro bárbara. Estamos fracassando policialmente. Os Estados Unidos fracassaram com tudo o que têm... O que nós vamos fazer? Estamos loucos? Mas é uma mudança na política mundial. E o mundo é governado por veteranos. Pessoas que esqueceram como eram quando eram jovens. A pior coisa que você pode fazer é proibir algo a alguém jovem. Porque se você proíbe, isso desperta a curiosidade deles e eles vão direto, até mesmo por rebeldia.”. Lembro que no Brasil, recentemente, o Senado aprovou, no primeiro turno, a criminalizaçãodrogas, incluindo a maconha, sem importar a quantidade. A reaçãoMujica. “Isso é encher as prisões por bobagens. Porque se eu vou colocar um menino na prisão por fumar cigarromaconha, estamos loucos, estamos loucos. Tenho que educá-lo e tratá-lomaneira diferente. E eu tenho que convencê-lo, maluco, não vai por aí. Não dá para resolver na marra. Pelo contrário, vão amontoá-los nas prisões”. 


* Marcia Carmo é jornalista e correspondente do Brasil na Argentina. MestraEstudos Latino-Americanos (Unsam,Buenos Aires), autora do livro ‘América do Sul’ (editora DBA)

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